A eclosão dos saques e assaltos aos bens públicos, por mais impactante que seja, não constitui novidade na História do Brasil. O País começou dessa forma. Os degredados que aqui chegaram saquearam os índios, arrancaram as riquezas da natureza e subjugaram os escravos, sem o menor compromisso com a construção de uma civilização. O espírito da pilhagem, do assalto e da destruição era o mesmo que preside a conduta dos que hoje se apossam dos bens do Estado. Aí está a diferença entre os povos caçadores e os povos lavradores. Para os primeiros, o objeto final assume relevância capital, dispensando, por secundários e supérfluos, os processos intermediários. Seu ideal é colher o fruto sem plantar a árvore. Para os lavradores, ao contrário, o que primeiro se enxerga é a dificuldade a vencer para, então, passarem ao trabalho lento e persistente que conduz a fins compensadores (Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1956). Os corsários da atualidade, como os piratas da antiguidade seguem a "ética" da aventura. Usam a audácia para assaltar o povo, jogando os custos nas costas dos trabalhadores. Haja impostos para sustentar suas aventuras! Os saqueadores da formação do Brasil (como os assaltantes de hoje) queriam servir-se da terra (do governo), como usufrutuários, usando-a (o) e destruindo-a (o) sem dó nem piedade. Respaldados pelo privilégio de serem governantes, eles se apossaram dos bens dos governados, tratados como súditos imbecis que devem obedecer sem protestar. Como diz Faoro, enquanto os comerciantes da colônia bradavam contra a corrupção e a derrama de impostos, os funcionários, acostados ao fidalgo, desdenhavam e debochavam dos reclamantes (Raymundo Faoro, Os donos do poder, São Paulo: Editora Globo, 3ª edição, 2001). Não parece a dramaturgia praticada pelos depoentes na CPI dos Correios? Dito de outra maneira, "todo o serviço era feito por negros e mouros cativos, que não se distinguiam de bestas de carga" (Holanda, obra citada). Não é esse o tratamento que é dispensado pelos saqueadores de hoje aos que trabalham e pagam os impostos para sustentar os governantes? Em sermão indignado e proferido em meados do século 17, o padre Vieira criticava a rapinagem burocrática (sic) ao dizer: "Alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar o nosso bem. Vêm cá buscar os nossos bens. O povo desfaz-se em tributos, em imposições e mais imposições, em donativos e mais donativos, e no cabo de tudo, nada aproveita porque o que se tira do Brasil, tira-se do Brasil; o Brasil o dá, Portugal o leva" (Antônio Vieira, Sermões Pregados no Brasil, Lisboa: Agência Geral das Colônias, 1940). Naquele tempo, as más condutas encontravam amparo em leis e regimentos tortuosos, e escritos para permitir os desvios de comportamento e a proliferação dos aventureiros. É incrível que esse modo de legislar se perpetuou até hoje! Tantas são as semelhanças entre a antiga e a moderna corrupção que somos tentados a dizer que, em mais de 500 anos, nada mudou. Não é bem assim. Há traços novos. No passado, os saques eram praticados por gente de fora. Hoje a pilhagem é praticada por gente de dentro, passando por cima do espírito de patriotismo, tudo em nome da devastadora idéia de que os fins justificam os meios. Uma outra peculiaridade dos saques modernos diz respeito à colossal extensão das operações. O que se viu até agora é só a ponta do iceberg. A corrupção parece ter invadido toda a máquina pública. Não se trata de mero abscesso localizado e sim de uma terrível septicemia, quando o corpo todo é atacado e dominado pelos vermes. Convenhamos. É impossível blindar a economia em um quadro como esse. Com tamanha imprevisibilidade, ninguém se dispõe a desengavetar projetos de investimentos de longo prazo. Estamos no meio da mais grave crise da história da corrupção no Brasil, que pode condenar gerações, não só pelos rombos econômicos, mas, sobretudo, pela destruição da ética de conduta da nossa juventude. Para evitar esse pavoroso desastre, há que se reverter o quadro imediatamente. Os responsáveis pela limpeza já saíram bem em todas as fotos. A televisão lhes concedeu um tempo de exposição que jamais teriam na campanha eleitoral. Os eleitores os reconheceram e testemunharam a sua valentia. Chega de holofotes. Recolham-se à clausura do trabalho de quem tem de tomar decisões graves. Façam o que deve ser feito. Pelo bem da Nação. É a nossa última esperança. *José Pastore é professor da FEA-USP. Home page: www.josepastore.com.br. E-mail: jpjp@uninet.com.br
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terça-feira, julho 26, 2005
Corrupção - abcesso ou septicemia? José Pastore*
O Estado de S Paulo
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