O Globo
Renilda é que é mulher de verdade. Que Amélia, que nada! Mesmo no mundo da mulher profissional, existem muitas que decidem se dedicar aos filhos e ao lar, mas nenhuma assim tão pura, tão desprovida de curiosidade, tão incapaz de interpretar os abundantes sinais à sua volta de que havia alguma coisa errada. O personagem montado pelos advogados para ser representado pela mulher de Marcos Valério foi muito bem arquitetado, mas não convence.
Ela nada sabia das decisões tomadas em seu nome, esqueceu quando o marido trabalhou para o Banco Central, não lembra o celular do marido e, mesmo depois de tudo, ainda não fez as devidas perguntas a ele. Apesar disso, ela sabia exatamente das reuniões de José Dirceu com o Banco Rural e o BMG.
Nada do que dizia era verossímil, mas, principalmente, ela não é verossímil. Ninguém é assim tão desligado de tudo. Ninguém confia tão cegamente no marido mesmo após se comprovar que ele não confiava nada nela, já que a mantinha numa crônica alienação. Ninguém movimenta R$ 9 milhões em dois anos e não percebe. Hoje não há mulher, mesmo "do lar", que seja tão posta à margem da vida profissional do marido, ainda mais pelo fato de que ela teve que assinar documentos, balanços de empresas, declarações de renda, cheques. E se nada tivesse assinado, por ter concedido ao marido a mais ampla procuração jamais escrita, ela poderia ter visto, ouvido, notado fatos, detalhes, conversas, a afluência recente do marido, enquanto ela ficava lá levando 14 anos para reformar uma casa e gastando os seus R$ 3.500 por mês.
A mulher que nada sabia desconhecia até o que se passava em sua conta bancária, sabia dizer a natureza da ligação do Cepel com o marido. Não uma compra, mas um arrendamento, com sócios, por 60 anos. A mulher que sabia o preço do primeiro cavalo da filha, se comportava como se Cepel fosse um centrozinho qualquer e não o que está no site "o mais tradicional centro de hipismo" e que vai se transformar "num dos centros eqüestres mais modernos da América Latina". O site, é bom dizer, é patrocinado pela Telemig Celular. Renilda, que de tão desmiolada não sabia se espólio se chama espólio, em outro momento, sagaz, ensinou aos parlamentares que dados deveriam procurar nos livros escriturais da empresa.
Era difícil saber ontem o que era pior, o personagem representado por Renilda ou a maneira como muitos parlamentares se comoveram diante de truques banais. Apresentar-se como perfeita idiota pareceu crível para os parlamentares, talvez porque ela é mulher. Alguns, até da oposição, chegaram a dizer que, de todos os que foram lá, foi a que pareceu mais verdadeira.
Ela disse e repetiu várias vezes que fez o que "qualquer mulher brasileira faz". Não, não há mulher como Renilda! Ela é inigualável. É sócia das três principais empresas envolvidas no pior escândalo político dos últimos 20 anos no país e não viu nada por ser "do lar". Hoje está numa CPI, vai ter que responder a processos, é suspeita de formação de quadrilha, corrupção, falsidade ideológica, pode ir para a prisão, em seu nome foram tomados empréstimos garantidos pelos seus bens, mas ela defende o marido: um "ingênuo", define. Ele escondeu tudo isso dela, ainda hoje é parco nas explicações, ela tem informações sobre sua própria vida pela mídia, e nada aguça-lhe a curiosidade, nada a faz duvidar do marido. Renilda se definiu com uma pessoa que não gosta de empréstimos, mas não demonstrou nenhuma irritação com o marido que levantou em seu nome incontáveis empréstimos. Ao saber apenas pergunta:
— Como vamos pagar? É o meu nome, a minha empresa? — disse.
Ela entrou nessa e, em outras ocasiões, em contradições, porém, se ameaçava chorar, imediatamente os parlamentares mudavam o tom e passavam a consolá-la. Chorou três vezes: às 14h, às 17h58m e às 19h38m. Sempre quando era pressionada, sempre conseguiu o que queria: reduzir a pressão. Na verdade, Renilda deu a informação que foi lá entregar bem no começo: o ex-chefe da Casa Civil sabia dos empréstimos contraídos por suas empresas e conversou sobre isso com diretores dos bancos Rural e BMG em duas ocasiões, no Hotel Ouro Minas em Belo Horizonte e em Brasília. E deu à CPI um personagem que até agora estava apenas implícito nos depoimentos e nas suspeitas. Agora é explícito: José Dirceu sabia dos empréstimos para formar o caixa dois do PT e, na condição de ministro-chefe da Casa Civil, negociou com os bancos o pagamento desses empréstimos.
Por essa informação, valeu o depoimento de Renilda Santiago. Agora a CPI terá que fazer um trabalho interno, mais sóbrio, mais exaustivo, sem os holofotes, e digerir tudo o que chegou aos seus subterrâneos. O país estarrecido vê, a cada dia, se delinear mais nitidamente o contorno do mais amplo, generalizado, bem montado e profundo esquema de corrupção jamais visto. Hoje só há um brasileiro, aliás, uma brasileira, capaz de, diante de todas essas evidências e provas, ainda dizer que acredita que tudo isso era apenas empréstimos contraídos por ingenuidade por uma empresa de comunicação familiar com medo de perder um contrato. É Renilda, a mulher distraída.
Entrevista:O Estado inteligente
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