Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 31, 2005

As elites e a sonegação JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Folha de S Paulo


Para um observador externo, a polêmica provocada pela Operação Narciso entre políticos, líderes de entidades empresariais e setores da mídia é surpreendente. É verdade que na história recente testemunhamos abusos de poder por procuradores e juízes. Além disso, na Operação Narciso, houve aspectos exibicionistas que, talvez, pudessem ser evitados. E, finalmente, a Daslu parecia ter sido elegida, mesmo antes da ação da PF, como responsável pela desigualdade social do Brasil, o que é um contra-senso. Mas nada disso justifica o protesto ensurdecedor contra a operação policial de uma parte da elite.
Uma desculpa bastante usada para defender a Daslu é que as normas tributárias são tão complexas que todos cometem ilegalidades. Parecem desconhecer que a loja é acusada de ter montado um emaranhado esquema de refaturamento e subfaturamento que incluía o uso de empresas no Brasil e no exterior, operação muito mais complexa do que o simples cumprimento da lei. Outros pedem "realismo", sob a argumentação de que ninguém consegue pagar todos os impostos que a lei impõe, revelando uma tolerância para a sonegação.
Ainda mais absurda foi a hipótese levantada por políticos de que a prisão dos acusados prejudicaria a economia. Segundo esta Folha, o senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) declarou: "Essa prisão pode (...) afugentar investimentos internacionais do país. O empresário vai dizer: para que vou investir no Brasil se posso ser preso?". É evidente que o senador pouco sabe sobre o que se passa fora do país. Antes de ser prefeito de Nova York, o promotor Rudy Giuliani tornou-se famoso com suas prisões preventivas espetaculares de acusados de utilizar informações privilegiadas em Bolsa. Em pelo menos dois casos notórios, ele algemou, à vista de todos os seus colegas, importantes executivos de Wall Street. Essas prisões não ameaçaram a posição da Street como centro financeiro, pelo contrário, aumentaram a confiança dos investidores de que o uso de informações privilegiadas não seria tolerado. Na verdade, os investidores estrangeiros no Brasil ressentem uma concorrência desleal de empresas que violam leis do país que os estrangeiros são obrigados a obedecer. Afinal, se uma firma americana operando no Brasil usasse esquema semelhante ao descrito nas acusações à Daslu, seus diretores estariam também violando leis dos EUA e provavelmente acabariam na cadeia.
No Brasil, a carga tributária é muito alta em geral, sobretudo para aqueles que cumprem a lei. Combater a sonegação permite reduzir os tributos dos que pagam corretamente suas obrigações. Há, hoje, evidência empírica convincente de que a severidade e a certeza de punição diminuem a criminalidade. Os acusados de crimes econômicos nos EUA ou na França são tratados com grande rigor exatamente para dissuadir futuros criminosos potenciais. Pela mesma razão, precisamos de mais operações como as que atingiram a Daslu e a Schincariol.
Trabalhos de pesquisa recentes indicam que a propensão ao crime de um indivíduo depende também da aceitação pelo seu grupo social do ato criminoso. Isso vale tanto para adolescentes em uma favela como para empresários ou profissionais liberais. Um médico em Nova York não oferece abatimento para pagamento sem recibo, não só por medo do fisco mas também porque, se o fizesse, poderia perder um paciente que começaria a duvidar da sua honestidade. Os dirigentes da Daslu são inocentes até provas em contrário, mas alguns dos seus defensores parecem pensar que deveriam estar acima da lei. Vai ser difícil diminuir a sonegação no Brasil enquanto essa atitude perdurar.

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