o globo
A pesquisa de opinião CNT/Sensus divulgada ontem, que mostra o presidente Lula solidamente apoiado por quase 60% da população, afasta, pelo menos momentaneamente, o fantasma do impeachment, tema que vinha sendo abordado com mais desenvoltura nos últimos dias, embora até mesmo a oposição sonhe com uma solução menos drástica para a atual crise política.
Ninguém vota a cassação de um presidente popular. O que talvez deixe a oposição mais inquieta é a percepção da opinião pública de que o escândalo de corrupção está mais vinculado à Câmara do Deputados e ao PT do que a Lula, que tem agido "adequadamente" para 47,8% dos pesquisados.
Talvez o pior resultado para os adversários, especialmente os tucanos, seja o que mostra que 64,7% acham que o pagamento a parlamentares para votar a favor do governo "é uma prática antiga e utilizada em outros governos". Se essa percepção persistir, a candidatura de Lula perde a primazia da ética, mas essa bandeira não fica com ninguém.
Ao ser aplaudido pelos sindicalistas, que gritavam a favor de sua reeleição em uma cerimônia estranhíssima no Palácio do Planalto na segunda-feira, Lula disse que não abre mão de "construir esse país". É quase inevitável que, a permanecer o atual quadro de crise política, a figura do presidente acabe sendo contaminada. Mas, mesmo com a situação crítica como está hoje, não há espaço político para que frutifique a "sugestão" de alguns tucanos graúdos para que Lula desista da reeleição.
Afinal, ele continua ganhando de todos os oponentes no primeiro turno, e vence Serra por boa margem num hipotético segundo turno. A disputa política entre PSDB e PT não deu margem a que uma decisão desse porte nascesse espontaneamente do próprio Lula, única maneira de ganhar credibilidade sem cheirar a golpe branco.
O primeiro a sugerir foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, reconhecidamente seu principal adversário, que tem um peso político inversamente proporcional à sua popularidade atual. A pesquisa CNT/Sensus mostra que o ex-presidente é o político mais rejeitado no momento entre os presidenciáveis, e que perderia no primeiro turno se tentasse se confrontar com Lula se a eleição fosse hoje. Logo ele, que foi um presidente tão popular que derrotou o mesmo Lula por duas vezes no primeiro turno.
O grande problema de Lula, no entanto, é que ele, ao invés de se desligar do PT, cada vez se aproxima mais de seu partido, agora interferindo diretamente na escolha da nova direção.Três de seus antigos ministros saíram do Planalto diretamente para postos-chaves do partido, numa tentativa de recriar a legenda, fortemente abalada pelas denúncias de corrupção.
Com o agravante de que um deles, o da Educação, só saiu do ministério para assumir a presidência do PT, o que deixa claro que a solução política da crise do PT é mais prioritária para o governo do que a educação do país. Como o governo não deveria ser petista, e a maioria do eleitorado não é petista, essa solução interna pode vir a ser fatal mais adiante, desconstruindo a tese de que Lula não sabia de nada que seu partido fazia.
A explicação de Tarso Genro só faz aumentar essa simbiose. Segundo ele, "sem o partido, a vitalidade do governo está comprometida". E com o partido sem credibilidade como está hoje, será impossível a Lula se reeleger. Nessas condições, ganham uma dimensão muito maior tanto a reunião dos sindicalistas da CUT no Planalto, quanto a análise, em tom de ameaça, de Tarso sobre o que chamou de "desconstituição" do PT, que poderá significar "o fim da mediação democrática para reduzir as diferenças sociais no Brasil".
A ausência do PT poderia ser "um elemento aguçante", diz Tarso, que levaria o Brasil a um estado de anomia (anarquia) que o deixaria próximo à situação da Colômbia. Uma das maneiras de conseguir reerguer o PT seria "passando o partido a limpo" com uma ampla investigação interna e pedindo desculpas por seus erros. Na mesma reunião com sindicalistas, o presidente Lula chegou a dizer que nunca brincou em serviço quando se trata de corrupção: "Não importa que seja um amigo ou um adversário, não importa que seja o meu partido ou um partido adversário", garantiu.
A história recente, no entanto, não demonstra isso. Ao contrário, anunciar rigorosas sindicâncias internas e não punir ninguém tem sido a norma petista, que desde que chegou ao poder em municípios de porte médio e grande, viu-se permanentemente envolvido em denúncias de corrupção, casos não totalmente resolvidos como os que teriam gerado os assassinatos dos prefeitos Toninho de Campinas e Celso Daniel, de Santo André.
O único punido nas investigações do PT foi um dos fundadores do partido, Paulo de Tarso, que, como secretário de Finanças, denunciou relações ilegais em Campinas e São José dos Campos com uma empresa de assessoria a municípios, a Consultoria para Empresas e Municípios (Cpem), cujo representante era Roberto Teixeira, tão amigo de Lula a ponto de emprestar-lhe, anos a fio, uma casa para morar em São Bernardo do Campo.
O prefeito de Campinas entre 89 e 92 era Jacó Bittar, outro grande amigo de Lula, hoje conselheiro da Petros e pai dos sócios da empresa de jogos do filho de Lula financiada pela Telemar. Essa mesma Cpem aparece, anos mais tarde, na CPI do Banestado, como tendo enviado em 92 para o exterior US$ 259 mil. A mesma CPI cujo relator, o petista José Mentor, está na alça de mira da Câmara sob a suspeita de ter ajudado o Banco Rural, o banco dos empréstimos ao PT.
Paulo de Tarso relatou em diversas entrevistas as intervenções pessoais de Lula, então presidente do PT, para que a empresa representada por seu amigo Roberto Teixeira fosse contratada sem licitação. E há diversos relatos de petistas sobre a interferência de Lula nas investigações internas do partido.
Entrevista:O Estado inteligente
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