o globo
Certa vez, vi um momento de pura genialidade de Zózimo Barrozo do Amaral. Foi no breve período em que trabalhei com ele. O tempo de fechamento estava se esgotando e faltava uma nota para concluir a edição daquele dia. Ele foi para o computador e escreveu: "Não será surpresa para esta coluna." Parou. Fiquei imaginando que novidade ele ainda teria àquela hora da noite. Ele pensou um pouco e escreveu: "Aliás, nada mais é surpresa para esta coluna." Com essa nota genial, fechou a coluna.
O país está com esse sentimento de que nada mais é surpresa. Afinal, os acontecimentos têm sido tão espetaculares que, se fosse uma obra de ficção, pareceria excessivamente fantasiosa. Na véspera da disputa dos cargos na direção do PT, um assessor do irmão do presidente do partido aparece com dinheiro até na cueca; dinheiro em sete malas sendo explicado como fruto de uma coleta dominical em igrejas. Devem ser prova material de um novo milagre da multiplicação; desta vez, do dinheiro. Jovens sem inserção no mercado que criam uma empresa e recebem um aporte milionário. O que mais nos falta acontecer? Hora de repetir com o Zózimo: nada mais é surpresa!
Mas o país precisa recuperar a capacidade de se surpreender. Imprensa e opinião pública têm dado credibilidade a toda denúncia. Nem tudo o que aparece é verdade. Há, nas denúncias, verdades e mentiras misturadas de propósito. Como tudo que é denunciado ganha ares de coisa séria, podemos estar juntando o que deveria estar separado: o joio e o trigo.
Por outro lado, as pessoas apanhadas em flagrantes não podem achar que qualquer desculpa é boa o suficiente para ser apresentada. Certas desculpas são tão esfarrapadas que desrespeitam a inteligência do cidadão.
Há dois erros radicalmente opostos sendo cometidos: acreditar em qualquer denúncia e não aceitar a prova testemunhal. O cidadão toma como verdade qualquer coisa dita e as autoridades, direta ou indiretamente atingidas, não aceitam nada do que é dito pelos depoentes, mesmo quando coberto por indícios fortes, como têm sido as declarações feitas por Karina Somaggio, ex-secretária do publicitário Marcos Valério.
As pessoas atingidas devem buscar elementos que derrubem a veracidade das denúncias. Se aparecerem provas de que foram feitas autuações da Previdência à indústria do Rio de Janeiro, com pagamento de multa e constatação de irregularidade, ficará mais fácil derrubar o que foi dito pela auditora do INSS. É bom lembrar que ela foi presa por suspeita de extorquir dinheiro de empresas. Em vez disso, o que apareceram foram novos auditores confirmando a existência de um esquema.
A sensação de que todos se locupletaram pode ter um efeito devastador na política brasileira que preparará o terreno para um desses salvadores da pátria ou, então, para o perigoso descrédito nas instituições. Como já disse aqui, o governo tem bons instrumentos nas mãos para apurar a verdade. Vários deles têm trabalhado a contento.
As CPIs precisam de mais cérebros e menos garganta. Os integrantes da CPI dos Correios estão levando ao paroxismo os defeitos de outras comissões como essa, em que o parlamentar fala para a TV e não se concentra no trabalho de apurar, separar informação, testar a consistência dos depoimentos. Claro que a retórica faz parte da política e eles não estão lá para usar o formato de entrevista dos jornalistas. Mas não é preciso gastar todo o precioso tempo de um depoimento jogando para a platéia. Objetividade e seriedade na condução das interpelações ajudarão nessa separação das verdades e das fantasias e armações.
Ninguém deve se enganar com as interpretações da pesquisa CNT-Sensus, divulgada ontem, segundo as quais o presidente Lula estaria blindado das acusações. Não é bem assim. Subiu de 31% para 40% a proporção dos que acham que a corrupção aumentou no governo Lula e caiu de 17,4% para 13% a dos que acham que ela diminuiu. E tem mais. Juntando os que acham que a corrupção aumentou e os que consideram que ela se manteve, o resultado são 82% dos entrevistados. A pesquisa mostra que chegam a 34% os que acham que ele tinha conhecimento do mensalão e 55% dos que responderam à questão sobre a quem estava mais vinculada a corrupção disseram ou que ela estava mais ligada ao presidente ou a seu partido. Cerca de 32% afirmaram também que Lula não está agindo corretamente nesta questão. Por outro lado, os que dizem que ele não sabia ainda são em número superior, 46%, e os que avaliam que está agindo corretamente, 48%. Mas não há mais unanimidade, os números negativos são significativos e a diferença em relação aos positivos pode diminuir se a crise seguir neste caminho. Está aumentando o desencanto, em geral, e com Lula também.
Um país que já não se surpreende com nada, para o qual nada é surpresa, é um país que não acredita mais em nada. Esse é o sentimento a combater. Até porque ele não é razoável. Não podemos ser um campo onde só há joio. Não foi isso que semeamos durante 20 anos de construção democrática.
Entrevista:O Estado inteligente
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