Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 02, 2005

Ação entre amigos

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Empresa que foi de Gushiken, hoje na mão
de antigos colaboradores, cresceu trabalhando
para fundos de pensão de estatais


Ronaldo França

 

Vidal Cavalcante/AE
"Não ocorreu vinculação minha com a nova empresa, ou com seus sócios, não se configurando nenhuma ação de qualquer natureza cuja lisura possa ser questionada."
Luiz Gushiken
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CURIOSA ESPECIALIZAÇÃO
No ofício em que pede a contratação do grupo integrado pela Globalprev, alegação de notória especialização para empresa que nunca realizou serviço desse tipo

No fim de 2002, no momento em que se preparava para assumir um cargo no ministério do recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o hoje ministro da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, fez uma transição particular. Vendeu sua participação na empresa Gushiken e Associados, especializada em consultoria previdenciária, a dois antigos colaboradores, Wanderley José de Freitas e Augusto Tadeu Ferrari. A companhia mudou de nome e passou a se chamar Globalprev Consultores Associados. A mudança foi concretizada em 6 de dezembro de 2002, conforme contrato arquivado na Junta Comercial de São Paulo. Era a reta final da troca de governo. A partir de então, a Globalprev começou a viver uma história de sucesso sem igual em sua história. Já em 2003, passou a fechar contratos com fundos de pensão de estatais, desbancando alguns dos mais tradicionais concorrentes do mercado. A empresa aportou na Previ, na Petros, na Portus, na Capaf e no Cifrão. São, respectivamente, os fundos de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, da Petrobras, da extinta Portobrás, do Banco da Amazônia e da Casa da Moeda. Juntos, detêm um patrimônio de 96 bilhões de reais.

Os contratos da Globalprev chamam atenção porque os fundos de pensão são justamente uma área sob forte influência do ministro Luiz Gushiken. Formado em administração de empresas, foi um deputado federal atuante no setor. Participou ativamente da CPI sobre o assunto e de todas as discussões sobre regulamentação dessa área nos últimos anos. Era, por assim dizer, o especialista do PT no assunto. Formado o governo, fez as indicações para os postos-chave. Esteve por trás da nomeação de alguns presidentes de fundos, como Wagner Pinheiro, na Petros, e Sérgio Rosa, na Previ. Gushiken também exercitou sua influência para nomear o titular da Secretaria de Previdência Complementar, do Ministério da Previdência Social, Adacir Reis, que foi assessor de seu gabinete no Congresso.

 

Fabio Motta/AE
INDICAÇÃO DE GUSHIKEN
Pinheiro, que chegou à Petros por indicação do antigo companheiro: dispensa de licitação

Apesar de sua influência no setor, quando ainda estava à frente da empresa, Gushiken não tinha tantos clientes quanto seus sucessores conquistaram. Os fundos de pensão para os quais trabalhava se limitavam ao do Banrisul, o banco estadual do Rio Grande do Sul, onde, por sinal, o governo era petista, e ao da Coelba, companhia elétrica da Bahia. Seu mercado estava principalmente nos sindicatos e em prefeituras, por todo o Brasil. Seu carro-chefe eram cursos com o objetivo de explicar aos trabalhadores a regulamentação e a estrutura dos fundos. A virada se deu no começo de 2003. A empresa foi contratada pela Petros, o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, o segundo maior do país, com patrimônio de 25 bilhões de reais. O contrato de consultoria atuarial (investigação e aconselhamento em problemas relacionados com o cálculo do valor dos seguros) vigorou por dois anos e foi renovado neste ano, sem concorrência, o que é permitido pelo estatuto da Petros. Além desse, a Globalprev conquistou outros dois negócios na Petros. Um deles está sendo argüido pelo Conselho Fiscal do fundo. Trata-se do contrato no qual a Globalprev figura como subcontratada da Trevisan Associados. O processo de contratação está sendo questionado porque, das três empresas que se qualificaram para concorrer, apenas uma, a Trevisan, aceitou realizar todos os cinco serviços solicitados. As outras duas ou não se interessaram por todos os serviços requeridos, ou não apresentaram proposta. Assim que venceu a concorrência, a Trevisan subcontratou a Globalprev. Há quase dois anos o Conselho Fiscal solicita os documentos para analisar o processo, o que só deverá ocorrer agora, neste mês.

Leo Pinheiro/Folha Imagem
O MAIOR DO PAÍS
Sérgio Rosa, presidente do fundo de pensão mais poderoso do Brasil: cursos sobre o setor de fundos


Não foi só. Em parceria com as empresas PricewaterhouseCoopers e Kiman Solutions, a Globalprev foi contratada pela Petros para gestão do fundo de pensão dos funcionários da Sanasa, a companhia de saneamento do município de Campinas. Há indícios de favorecimento no ofício em que o secretário-geral da Petros, Newton Carneiro da Cunha, indicado por Gushiken, propõe a contratação do grupo de empresas integrado pela Globalprev. Ele defende a contratação sem tomada de preços em virtude de "notória especialização" da parceria formada pelas três companhias. "Notória especialização"? Essa é a primeira vez que a Globalprev participará da gestão de um plano como esses, segundo afirmou a VEJA o sócio Tadeu Ferrari. "É um projeto piloto, coisa pequena, mas que pode se transformar num bom produto para nós", diz. Outras empresas do ramo, inclusive multinacionais, já prestam esse tipo de serviço, mas a Globalprev estará entrando agora no ramo. É difícil entender que uma companhia que nunca executou uma tarefa específica como gerir um fundo de pensão possa ter notória especialização. Na Previ, o maior fundo de pensão do país, com patrimônio de 70 bilhões de reais, a empresa que foi de Gushiken ganhou terreno. Passou a ministrar cursos sobre o funcionamento de fundos de pensão aos funcionários.

Na semana passada, descobriu-se que, após a mudança de governo, a publicidade estatal nas revistas editadas pela firma do cunhado de Gushiken, Luís Leonel, mais que dobrou. O ministro afirma que nada tem a ver com o assunto. "Nunca recebi ou dei encaminhamento a nenhuma solicitação envolvendo os interesses da Editora Ponto de Vista", esclareceu, em nota à imprensa. Gushiken disse também que jamais intercedeu junto aos fundos de pensão em favor da Globalprev ou de seus sócios. Pode ser que o crescimento das empresas de alguma forma ligadas ao ministro seja fruto da proximidade natural de seus parentes ou antigos colaboradores com os homens que hoje ocupam postos com poder de decisão sobre publicidade ou comandam grandes fundos de pensão. Afinal, eram próximos antes e freqüentavam os mesmos ambientes. Além disso, é praxe no país que os grupos políticos que chegam ao poder sejam generosos com seus aliados, incluindo aí amigos e parentes. Angustiante é a constatação de que o PT, depois de passar anos na oposição combatendo essa prática, sucumbiu à praga do patrimonialismo que sufoca o Estado brasileiro.

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