A chave para entender a crise
fôlder desta edição é uma contribuição
de VEJA para entender o cerne da
crise de corrupção que o país vive
Lucila Soares
O RAIO AMARELO O símbolo que se vê nesta página caindo sobre recortes de denúncias de corrupção é o mesmo que se verá no fôlder a seguir. Ele foi colocado no fôlder sobre cada um dos órgãos públicos que foram investigados recentemente por indícios de corrupção |
A chave sob a palavra COFRE, em amarelo, simboliza a expectativa de VEJA de que o fôlder que segue seja uma peça que ajude os leitores a entender o cerne da crise pela qual o país passa. O fôlder exibe um painel com cinqüenta dos mais cobiçados cargos da administração federal – escolhidos em doze dos 25 ministérios. O painel mostra que esses cargos merecem um acompanhamento maior não apenas dos órgãos encarregados da lisura das contas públicas mas também da sociedade. Alguns dos órgãos listados são marcados com o raio amarelo que domina esta página: ele é símbolo de que um ou mais cargos daquele órgão foram investigados recentemente e tiveram dirigentes demitidos por corrupção.
A história política brasileira é pródiga em escândalos provocados por denúncias de corrupção. Também fazem parte da tradição no país o favorecimento, o clientelismo, o nepotismo. Nunca, no entanto, a lógica que rege a distribuição de cargos públicos foi exposta de maneira tão crua quanto nas últimas semanas. O que veio a público no desdobramento dos casos dos Correios e do IRB foram detalhes constrangedores do que já se sabia: os políticos querem cargos públicos porque estes podem lhes render dividendos eleitorais, de duas maneiras. A primeira é a mais óbvia. O cargo dá a chance de "retribuir" os votos de seus eleitores e garantir apoio posterior (através de obras, por exemplo). A segunda é a oportunidade que esses postos oferecem de ter acesso direto a potenciais financiadores de campanhas eleitorais. É prática corriqueira no Brasil o ocupante de um cargo público pedir dinheiro a um agente da iniciativa privada para o caixa de seu partido.
Como fica mais fácil pedir a quem está por perto, acaba-se solicitando dinheiro a empresas que prestam serviços àquele órgão – e isso, evidentemente, é uma forma de pressão. Como almoços grátis não existem, as "doações de campanha" acabam, em muitos casos, comprando privilégios – favorecimento em licitações, por exemplo. Um detalhe: o único senão ético que a lógica dominante enxerga nessa prática diz respeito às doações "por fora" – mas essa seria uma falha desculpável (não é, claro), uma vez que por essa mesma lógica a lei eleitoral praticamente obriga os pobres políticos a agir dessa forma. Quando o presidente de uma estatal pede dinheiro a uma empresa dentro dos termos da lei eleitoral, ninguém vê nenhum problema. Como esse estranho código de conduta é mais facilmente seguido à sombra, cargos de segundo e terceiro escalão acabam sendo tão ou mais cobiçados que ministérios.
O pano de fundo sobre o qual se desenrola esse descalabro é a profusão de cargos de confiança e a absoluta ausência de critérios de nomeação. Existem no Executivo federal cerca de 25.000 cargos de confiança. Destes, cerca de 6.000 estão preenchidos por contratação de pessoas externas ao serviço público. Só nos postos de DAS chega a 5.314 o número de ocupantes sem cargo público. Entre eles, apenas cerca de .1.000 entram na barganha principal, que envolve negociações com o primeiríssimo escalão da República. Os mais de 4.000 cargos restantes são distribuídos por indicação de uma miríade de poderosos nacionais, regionais, estaduais, municipais.
Cargos de confiança existem em qualquer regime político, e na maioria dos casos não há restrição a seu preenchimento por pessoas externas ao funcionalismo. É até uma prática saudável, que permite a contratação de quadros talentosos na iniciativa privada. Na Inglaterra, por exemplo, o serviço público passou por uma primeira reforma profissionalizante em 1871, pela mão do primeiro-ministro William Gladstone, que criou o sistema de mérito para a nomeação de servidores. Hoje, o governo inglês recorre a headhunters para escolher os ocupantes de alguns cargos, como diretorias de estatais. E as nomeações políticas não chegam a 120, incluindo ministros. No Brasil, há nomeações políticas até para o quarto escalão, o que favorece o tráfico de influência e dificulta o controle da sociedade sobre a máquina governamental. É fundamental, portanto, reduzir o número de cargos de confiança e dar transparência aos critérios de preenchimento desses postos.
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