Enquanto o PT tenta envolver o PSDB
no lamaçal da corrupção, os ministros
de Lula pedem a ajuda dos adversários
para estancar a crise
Marcio Aith e Felipe Patury
Desde que o deputado Roberto Jefferson denunciou o pagamento do mensalão a deputados da base aliada, o PT não conseguiu apresentar explicações minimamente convincentes para o bombardeio de acusações que recaem sobre os chefes do partido. Na semana passada, diante da impotência para rebater as denúncias de corrupção envolvendo ainda mais órgãos federais, o PT colocou em ação uma estratégia mais pragmática: envolver o PSDB. O objetivo é criar condições ideais para um acordo que, com cassações seletas, assegure a sobrevivência da administração Lula. Essa estratégia tem duas frentes: no plano institucional e naquele que se situa abaixo da linha da cintura. No primeiro, os principais ministros do governo Lula abriram canais de diálogo com a cúpula tucana. Procuraram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, e o senador Tasso Jereissati, entre outros. Do lado do governo, lideram a aproximação os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e da Integração Nacional, Ciro Gomes.
Rodrigo Clemente/O Tempo |
HERCULANO ANGHINETTI Um cartão de visitas envolve o secretário de Minas Gerais com o esquema de Jefferson. Ele diz que é falso e faz parte de uma manobra do PT para destruir a candidatura de Aécio Neves |
Entre os temas debatidos, já se discute o nome dos parlamentares que seriam cassados para aplacar a irritação da opinião pública e pôr fim à crise. Dá-se como irreversíveis a cassação de Roberto Jefferson, do PTB, de Valdemar Costa Neto, do PL, e de José Janene, líder do PP. As conversas emperram quando se fala no nome do deputado José Dirceu, ex-titular da Casa Civil. Ele encabeça todas as listas do Congresso. Os tucanos não acreditam que a crise possa ser encerrada sem que ele vá para o abatedouro. A maioria dos ministros corrobora essa tese. Mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já começa a abandonar a idéia de salvar Dirceu. Afinal de contas, como ensina o deputado Jefferson, todo escândalo político termina num acordão em que alguns culpados são salvos e outros, cassados. O problema é que Dirceu continua forte no partido e – pasme, leitor – ainda freqüenta o Palácio do Planalto. Ele tem participado, por exemplo, de reuniões para definir a estratégia de defesa do governo e esteve presente até mesmo naquela em que a ministra Dilma Rousseff foi escolhida para substituí-lo. Dirceu recusa-se a aceitar o ostracismo. Como ele controla o partido com mão-de-ferro e sabe de coisas demais, Lula está numa sinuca de bico, para usar uma metáfora de sindicalistas.
Marcio Fernandes/AE |
EDUARDO AZEREDO Citado por Marcos Valério, o pagador do mensalão, o presidente do PSDB é um dos mais interessados num acordo |
E por que os tucanos estariam interessados em preservar Lula? Se as conversas entre petistas e tucanos tivessem sido gravadas, a palavra que mais se ouviria teria sido "governabilidade". Ou seja: maduros politicamente, os tucanos saberiam que a estabilidade política está acima dos interesses partidários. Isso faz sentido até certo ponto. Segundo petistas graúdos, o motivo mais forte (bem mais forte) foi apenas insinuado nos diálogos que os dois lados mantiveram até o momento. Ou, como diz um ministro de Lula, "permaneceu no subtexto". Na verdade, das maneiras mais sutis possíveis, os petistas avisaram aos tucanos (e os tucanos entenderam perfeitamente o alerta) que estes também poderiam ser envolvidos nas denúncias. Se esse risco existe para os tucanos, ele passa por Minas Gerais, estado do lobista Marcos Valério, o pagador do mensalão, e sede de uma importante facção do tucanato. Há vinte dias, o nome do ex-ministro das Comunicações Pimenta da Veiga já havia aparecido na agenda de Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária de Valério, com a referência a um depósito de 50.000 reais. Foi a única alusão aos tucanos feita à revelia do governo.
Na semana passada, uma série de fatos mostrou aos tucanos que o governo Lula preparava um ataque ao PSDB – a segunda frente da estratégia petista, no plano que se situa abaixo da linha da cintura. Um deles foi a menção a vários tucanos no depoimento prestado à Polícia Federal por Marcos Valério. O empresário (na verdade, sócio do PT, como revela a reportagem de capa desta edição de VEJA) disse à PF que tem relacionamento com políticos de diversos partidos. Citou como exemplos o senador mineiro Eduardo Azeredo, presidente do PSDB, e três secretários do governador Aécio Neves: Marcus Pestana, da Saúde, Danilo de Castro, de Governo, e Herculano Anghinetti, de Turismo.
Marcia Mendes/AE |
MÁRCIO THOMAZ BASTOS O ministro da Justiça e Antonio Palocci, da Fazenda, tentam costurar um acordo com o PSDB |
A citação de Anghinetti por Valério casa-se à perfeição com um outro episódio. No início da última semana, VEJA recebeu de um dirigente do PT um cartão de visita no qual consta o nome do secretário de Turismo como vice-presidente da Assurê. Para quem não se lembra, a Assurê é a empresa de corretagem de seguros de Henrique Brandão, o amigão de Jefferson que atuava no esquema do PTB de arrecadação de mesadas a partir dos contratos do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Anghinetti diz que, de fato, é corretor de seguros. É dono da corretora mineira Oregon. E que é amigo de Henrique Brandão. Mas nega ter trabalhado na Assurê e garante que o cartão é falso. "Essa é uma tentativa de atingir Aécio, que é um dos presidenciáveis do PSDB", diz ele. Tem razão – ainda que seja curiosa a hipótese de alguém falsificar um cartão de visita da Assurê com seu nome e o título de vice-presidente.
Embora procurem atingir Aécio, os petistas que fazem o trabalho sujo acreditam que a estratégia de ameaça tem funcionado melhor com o presidente do PSDB, Eduardo Azeredo. Seria ele o mais interessado entre os tucanos – e, sem dúvida, é o mais ativo – em fazer um acordo com o Planalto para estancar as investigações. Azeredo nega, mas reconhece que a SMPB, uma das agências de Valério, participou das campanhas dele para governador, em 1998, e senador, em 2002. "Indiretamente", frisa Azeredo. Isso porque a empresa de Valério teria sido subcontratada pelas agências oficiais das campanhas. Há outra ligação entre os dois. Azeredo e Valério figuram como réus num mesmo processo de improbidade administrativa movido pelo Ministério Público mineiro. Em 1998, a SMPB ganhou sem licitação uma campanha de 3 milhões de reais paga por duas empresas estaduais. O dinheiro foi usado no Enduro da Independência, uma prova de motocross. O governador era Azeredo. Hoje senador, ele diz que a licitação era desnecessária porque a SMPB não foi contratada para fazer publicidade, e sim para patrocinar o evento. "Patrocínio não precisa de licitação, e não fui eu quem ordenou essas despesas", justifica.
Neco Varella/Ag. O Globo |
FERNANDO HENRIQUE O ex-presidente tem sido procurado por petistas interessados num acordo com os tucanos |
Uma das primeiras conversas sobre o acordão entre petistas e tucanos ocorreu em meados de junho, quando Roberto Jefferson intensificou seus ataques ao governo e mencionou pela primeira vez o nome de Marcos Valério. O ministro Palocci varou a madrugada no apartamento do secretário executivo da Fazenda, Murilo Portugal, discutindo o estrago feito pelo deputado e as garantias para que Lula concluísse seu mandato. Só encontraram uma: a aproximação com o PSDB. Palocci, a essa altura, já dava como provável a vitória dos tucanos na eleição presidencial do próximo ano. E ponderou que, ao PSDB, não interessaria receber "um país com cenário de terra arrasada". "Há um quadro de solidez muito grande na política macroeconômica, que foi iniciado no governo anterior, e que tanto nós como eles queremos ver preservado", comentaram depois seus assessores. A primeira tentativa de aproximação foi feita com o senador Tasso Jereissati, amigo de Palocci. Ele recebeu um convite do deputado Sigmaringa Seixas para se encontrar com Lula. Recusou. O diálogo continuou por meio de outros interlocutores. No domingo 26 de junho, sabe-se que o ministro Márcio Thomaz Bastos, a pedido de Lula, procurou Fernando Henrique. Ambos conversaram por quatro horas. Foi uma conversa entre cavalheiros.
A mentira da secretária
Dida Sampaio/AE |
KARINA Se não sabia que dava entrevista, por que posou para foto? |
Assim como a mentira, a memória da secretária Fernanda Karina Somaggio tem pernas curtas. A secretária – que em entrevista à revista IstoÉ Dinheiro declarou que seu ex-chefe, Marcos Valério, era íntimo do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e costumava transportar malas de dinheiro para Brasília – tem afirmado que se transformou em personagem da crise política por acidente. Em entrevista ao programa de Jô Soares, no último dia 29, ela repetiu o que havia dito, na véspera, ao Conselho de Ética da Câmara: que se espantou ao ver suas declarações publicadas, já que havia tido apenas "uma conversa informal com o repórter" da revista. Karina não deveria ter ficado tão surpresa assim, já que posou em estúdio para a foto que ilustra a capa da edição em que saiu a sua "conversa informal". A foto foi feita no dia 2 de setembro do ano passado (a mesma data em que ocorreu a tal "conversa informal") no estúdio da agência Primeiro Plano, em Belo Horizonte. Karina chegou ao local de táxi, acompanhada pelo repórter Leonardo Attuch, autor da entrevista, e submeteu-se a uma sessão de fotos que durou quarenta minutos. Pois bem. O que isso prova? Prova que Karina mentiu mais uma vez (a primeira foi na Polícia Federal). E que, ao contrário do que afirma, não agiu ingenuamente ao relatar a um jornalista fatos gravíssimos envolvendo dirigentes do partido do governo. A ex-secretária sabia, sim, que suas declarações bombásticas seriam publicadas – ainda que, por motivos não explicados, tenham ficado na gaveta de Attuch por nove meses. Por que Karina decidiu falar? Talvez a quebra de seu sigilo bancário, determinado na semana passada pela CPI dos Correios, possa mostrar que não foi por aquele motivo suficiente – o patriotismo.
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