Embora não discrepe da habitual sem-cerimônia característica com que trata os assuntos mais delicados, certamente mais que um deslize cerimonial, foi um erro grosseiro o presidente Lula se arvorar a apoiar um cardeal brasileiro para a sucessão do Papa João Paulo II. Como se isso trouxesse algum tipo de ganho político, ou se o conclave de Roma pudesse fazer parte da estratégia de nossa arrogante política externa.
Convidar então Dom Cláudio Hummes para viajar a Roma no AeroLula, aí já foi uma gafe descomunal. Lula queria dar uma demonstração de força política, levando a tiracolo o futuro Papa?
É certo que o cardeal de São Paulo, Dom Cláudio Hummes, tem um histórico que o liga aos movimentos dos operários do ABC paulista, tendo sido bispo de Santo André ao mesmo tempo em que Lula comandava o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Mas não faz o menor sentido, e beira o ridículo, o presidente achar que por isso tem autoridade para tentar se intrometer em uma eleição cujos parâmetros são diversos daqueles da política laica, em que pese haver muita negociação política na Capela Sistina e no Palácio Apostólico, onde os cardeais-eleitores ficam confinados, durante o conclave.
No primeiro conclave da era da comunicação globalizada e instantânea, os conchavos políticos ganharam dimensão planetária, e também mais espaço físico, pois se estenderão aos jardins da Santa Sé, agora franqueados aos cardeais. Toda a extraordinária parafernália midiática que cercou a agonia pública de João Paulo II, mostrada ao mundo em tempo real em todos os seus detalhes, faz com que esta sucessão papal seja diferente das anteriores, até mesmo no comportamento do Papa antes de morrer, e dos cardeais que formam o colégio eleitoral especial.
Nunca os cardeais falaram tanto sobre o perfil daquele que será escolhido, nunca se debateu tanto, nunca os cardeais “ preferitti ” (os preferidos) apareceram tanto, sendo que o cardeal Tettamanzi, de Milão, chegou a ser aclamado pela multidão como Papa, e respondeu com gestos largos. Dom Cláudio Hummes, um dos destacados como favorito caso o Papa não seja italiano, também falou demais, embora com muita qualidade e equilíbrio, e quase certamente foi pensando nele que um integrante da Cúria comentou que os cardeais do Terceiro Mundo estão tendo uma relação excessiva com a imprensa.
A imagem do sofrimento papal ao tentar falar da janela de seus aposentos no Vaticano, a boca aberta em um vão esgar, ficará eternamente congelada nas retinas da opinião pública mundial. A agonia pública de um Papa, que de maneira deliberada expôs ao mundo seu sofrimento como maneira de valorizar a vida, e a própria postura do Vaticano, de não estimular reações de tristeza já que a morte leva à vida eterna, são mudanças na maneira de a Igreja Católica lidar com seus seguidores.
Pela primeira vez o corpo de um Papa foi levado diante do público por um percurso tão longo, dos seus aposentos até a Basílica São Pedro. Não é à toa que Dom Eusébio Scheid, o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, disse que o próximo Papa terá que ser um homem da mídia, com a concordância de Dom Eugenio Sales. Homem da mídia no sentido que foi o Papa João Paulo II, que soube interagir com a humanidade, que aproveitou até os últimos momentos a tecnologia da comunicação para transmitir ao mundo suas mensagens e recuperar para a Igreja Católica, especialmente a do Terceiro Mundo, um espaço que vem sendo perdido para seitas religiosas e igrejas evangélicas.
Tendo essa noção da importância da mídia muito clara, não se pode atribuir a um ato falho o destempero de Dom Eusébio contra o presidente Lula, assim que chegou a Roma para o conclave. Dizer que o presidente brasileiro quis tirar proveito político da situação ao apoiar Dom Cláudio Hummes, vá lá. Dizer que ele não se dá bem com o Espírito Santo, que é quem, pela fé católica, ilumina os cardeais para escolher o futuro Papa, também é aceitável, já que Lula, ao se intrometer na discussão, estaria se arvorando a dar palpite em uma decisão que não seria terrena, mas espiritual.
Deveria, porém, parar por aí o cardeal do Rio, mesmo que tivesse razão para ficar indignado. Assim como não é admissível o presidente entrar em terreno religioso como se fosse apenas mais uma eleição a ser disputada com um candidato brasileiro, também não cabe ao cardeal querer que o governo se paute pela orientação da Igreja Católica.
Apesar de ser a maior nação católica do mundo, o Brasil é um estado laico, e é apenas por uma tradição, que já deveria ter sido abandonada, que políticos submetem aos representantes da Igreja decisões administrativas de políticas públicas, como distribuir pílulas anticoncepcionais à população. E cedem às pressões religiosas contra o planejamento familiar.
Nas declarações de Dom Eusébio sobre os gays, ficou exposta uma face impiedosa de setores da Igreja Católica. Ao contrário de Dom Cláudio Hummes, que em entrevistas admitiu que o próximo Papa terá que enfrentar questões relevantes no mundo moderno como o desenvolvimento das pesquisas científicas — estava certamente referindo-se às células-tronco — e a definição sobre quando começa e quando termina a vida, Dom Eusébio não aceita discussões e critica as posições do PT a favor do aborto e até a liminar do Supremo permitindo o aborto de fetos com anencefalia. Parecia uma metralhadora giratória.
Ao imitar o sotaque nordestino do deputado Severino Cavalcanti, estava preconceituosamente menosprezando não apenas o presidente da Câmara, mas sobretudo um católico, conservador e fervoroso. Parecia uma metralhadora giratória.
Caótico, como acusou o presidente Lula de ser.
Entrevista:O Estado inteligente
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