Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 02, 2008

Valores ''''republicanos''''

O que moveu a Comissão de Ética Pública da Presidência da República, ao recomendar que o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, deixasse a presidência do seu partido, o PDT, foi antes de mais nada o princípio da precaução: é evidente e indiscutível que o exercício simultâneo da função ministerial e da presidência de um partido político cria, por si só, conflito de interesses. A recomendação, portanto, não poderia ser entendida como condenação prévia da conduta do ministro, embora o órgão tenha alertado para os suspeitos convênios firmados pela Pasta, de que Lupi é titular desde abril de 2007, com prefeituras e ONGs, vinculadas direta ou indiretamente ao PDT e à Força Sindical.

Diante da recusa do ministro a se licenciar da direção pedetista, como se sabe, a comissão sugeriu em 21 de dezembro ao presidente Lula a alternativa óbvia de afastá-lo da Esplanada. Ao ficar patente que a sugestão não seria aceita, o presidente do órgão, embaixador Marcílio Marques Moreira, renunciou. Aliás, em comparação com os fatos escabrosos que nesse meio tempo a imprensa traria à luz sobre o uso freqüente de recursos do Ministério do Trabalho para favorecer entidades e pessoas ligadas ao PDT - não obstante pareceres em contrário da consultoria jurídica do Ministério -, a acumulação de cargos, em si mesma legal, como já se assinalou neste espaço, parece o menos grave dos deslizes éticos de que está sendo acusado o ministro Carlos Lupi.

Além dos repasses de R$ 50 milhões que causaram espécie à Comissão de Ética Pública, envolvendo 12 convênios com entidades ou pessoas próximas ao PDT, descobriram-se, entre outras decisões que recendem a improbidade administrativa, transferências da ordem de R$ 14,7 milhões a organizações aparentadas com a Força Sindical. Diante dessas acusações, Lupi tratou de demonstrar isenção e apartidarismo na gestão da Pasta, apresentando um levantamento dos valores dos convênios assinados, para capacitação de mão-de-obra, com municípios e Estados desde a sua posse, em abril de 2007, até 7 de fevereiro último, somando R$ 408,8 milhões - como se fosse disso que se tratava. Segundo a relação por partido, o PSDB, no governo daquelas unidades federativas, foi o parceiro preferencial do Ministério, recebendo R$ 102,4 milhões. Só em sétimo lugar aparece o PDT, com pouco mais do que a décima parte disso (R$ 14,4 milhões).

Foi utilizando esse "argumento" que o presidente Lula, perguntado sobre o assunto, classificou as acusações de "bobagem", e na seqüência elogiou o acusado como o ministro que "está mostrando o comportamento mais republicano" entre os seus pares. Com isso, a menos que se lhe faça a injustiça de imaginar que ele se deixou enrolar ingenuamente nos números de seu colaborador, Lula fingiu desconhecer o óbvio: os valores alardeados se referem aos convênios firmados pelo Ministério com prefeituras e governos estaduais para capacitação de mão-de-obra, sobre os quais não foram levantadas suspeitas, e não aos convênios com pessoas e entidades (ONGs) ligadas ao PDT ou aparentadas com a Força Sindical, alvos das acusações que Lula desclassificou para "bobagens".

Isso para não falar de situações em que a filiação ao PDT pode fazer toda a diferença para um dirigente municipal. Sexta-feira este jornal contou o caso da prefeita de São Gonçalo, sede do segundo maior colégio eleitoral do Rio, Maria Aparecida Panisset. Em 20 de agosto do ano passado, ela se mudou do DEM para o partido do ministro que, por sinal, abrilhantou com a sua presença a consumação da travessia. Quatro meses depois, entraram em vigor dois convênios com os quais a prefeitura foi aquinhoada para, entre outras tarefas, qualificar 7 mil inscritos no Programa Nacional de Inclusão de Jovens. Os repasses podem ser relativamente modestos - R$ 1,141 milhão ao todo. Mas uma consulta ao Portal da Transparência, da Controladoria-Geral da União (CGU), revela que é a primeira vez em 11 anos que verbas do Ministério chegam a São Gonçalo.

Menos mal que a CGU decidiu apurar presumível favorecimento político nos convênios do Trabalho, na gestão do seu titular "mais republicano".

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