Para economista, alta dos preços das matérias-primas é estrutural e deve ter longa duração
Fernando Dantas
Assessor da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o economista Antônio Barros de Castro prevê que a alta das commodities e matérias-primas é um fenômeno estrutural que veio para ficar. No momento, ele coordena um grupo de vinte técnicos que vem estudando a questão estratégica em setores como petróleo, gás, e etanol. Castro diz que a política industrial que está sendo concluída parece contemplar os estímulos usuais - como desoneração tributária, depreciação acelerada de investimentos -, e pode “aproximar o país das economias que praticam políticas proativas em relação ao seu sistema produtivo”.
Mas ele avalia que estratégia é outra coisa. Hoje, para o Brasil, significa ter frentes estratégicas, que operem as transformações necessárias para enfrentar uma economia global drasticamente transformada pela ascensão da China.
O Brasil tem finalmente uma estratégia nacional de crescimento?
Convém distinguir entre políticas industriais, planejamento e estratégia. O planejamento é importante para dar consistência às decisões que devem ser tomadas ao longo do tempo, e para que fiquem claros os limites ditados pelos recursos disponíveis. Estratégia é algo diferente; refere-se a mudanças de rumo em resposta a transformações que redistribuem forças e fraquezas, vantagens e desvantagens. Orçamento e plano devem ser continuamente refeitos; estratégias só devem ser formuladas raramente, e face à percepção de novas e grandes mudanças. Estratégias, portanto, partem de visões do que pode vir a ser o país e se referem, primordialmente, a novos rumos - sendo evidente que as estratégias têm muito a ganhar com o apoio de boas políticas industriais e planos consistentes.
O sr. vem estudando a questão da estratégia, e dá grande ênfase à China. Por quê?
Eu uso o conceito fundamental de tendências pesadas para estes grandes movimentos que vão reorganizando a economia global, de forma quase inexorável. De 1950 a 2003 houve uma desvalorização das commodities relativamente às manufaturas. O Brasil se colocou muito bem neste movimento numa certa fase e nos anos 70 já emergia como um novo país industrializado, ou NIC, na sigla inglesa. Só que no final dos anos 80 e início dos 90, surge a China. No início a China era apenas um super-NIC, operando com mão-de-obra excepcionalmente barata, cuja disponibilidade era quase infinita. Foi quando se acelerou a terceirização de fabricação e montagem para a China e o país recebe as multinacionais. Mas é aí que começa a ocorrer outro fenômeno, que só agora se percebe. Surgem as empresas chinesas, os “dragõezinhos”, que contam com a mesma mão-de-obra abundante. Elas têm desvantagens tecnológicas, mas têm vantagens também, como as relações profundas com o sistema científico chinês.
Mas qual é a grande mudança trazida por estas empresas chinesas?
Algumas empresas chinesas começaram desde cedo a se voltar para a massa populacional do seu país, em vez de disputar a classe média e alta com multinacionais. Mas para isto os preços tinham que ser reduzidos a uma fração, à metade, a um terço, até menos. O que exigiu a revisão de processos e produtos. Os chineses perceberam que, usando a antepenúltima, a penúltima e, em alguns casos, até a última tecnologia e retirando dos produtos as qualidades supérfluas, desnecessárias, era possível fazer algo com propriedades básicas, mas interessantíssimas. E isto resultou na revolução dos preços chineses. Hoje eles estão derrubando todos os custos, de todas as funções corporativas, já não é mais a exploração vil da mão-de-obra. Então agora não são só os pobres chineses que podem comprar as manufaturas, mas os pobres brasileiros, os africanos. É uma revolução, uma mutação, um novo paradigma emergindo. A mais óbvia conseqüência disso é a explosão do consumo e do investimento associado a este consumo, além do investimento chinês em infra-estrutura.
E quais são as implicações?
A resultante maior é a segunda tendência pesada: não tem energia e não tem metais para sustentar a disparada do consumo. E então vem a explosão do preço das commodities, que fica flagrante a partir de 2003. Não se trata de um boom, mas está lastreado em fenômenos estruturais e tendências pesadas. Só uma catástrofe política econômica poderia deter isso. A terceira tendência, ligada à questão energética e de matérias-primas, é a decisiva importância que adquirem a demografia e o território.
Como o Brasil se coloca diante dessas tendências?
O Brasil se distingue por ter recursos naturais que estão num processo de valorização extraordinário, um sistema manufatureiro complexo e respeitável e um sistema nacional de ciência e tecnologia difuso, segmentado, adolescente, mas com visível potencial. Em termos de soluções fortes para o Brasil, a primeira que eu destacaria seria a de aproveitar o que chamo de “vantagens da estagnação”. O exemplo mais óbvio é a construção civil, que em 2007 ficou um pouco abaixo de 2% do PIB, espetacularmente retraída. Ela ficou entre 8% e 10% no final dos anos 80, e gira em torno de 12% em países emergentes normais, como México e Chile. O Brasil está brutalmente abaixo da curva, e o processo de volta ao normal, que significa crescimento muito rápido, pode durar muitos anos. Isto é uma oportunidade muito boa por causa da voracidade da construção por muitas manufaturas.
Há outras apostas?
Bem, há frentes estratégicas que não se improvisam, que não são uma questão de curto prazo, como a construção civil. Estou falando agora de pontes para o futuro. Podemos, como fez a Noruega, ter uma frente da indústria voltada ao petróleo, de parapetróleo. O petróleo e gás corresponde a 2,5% do PIB industrial, que é 24% do PIB total - mas representa 10% do investimento total da economia. A Petrobrás já tinha, antes da descoberta de Tupi, uma expectativa de investir US$ 100 bilhões em cinco anos e aí vem, por cima disso, o bilhete premiado, o pré-sal. O Brasil já tem uma indústria voltada ao petróleo, tem uma empresa, a Petrobrás, cuja competência em certos campos dispensa comentários, e houve inclusive nos últimos anos toda uma reconstrução institucional. Mas há necessidade do apoio do aparelho de pesquisa, financeiro, regulatório e até político e diplomático. A segunda frente estratégica está situada em torno do etanol. Já está havendo a exploração a fundo da eletricidade como subproduto da usina. E surgem, de empresas nacionais e multinacionais, projetos extraordinariamente interessantes de álcool-química. O conjunto de projetos no setor até 2012 ou 2014 implica na compra de dez mil caminhões, seis mil tratores, três mil colheitadeiras com custo de R$ 1, 2 milhões cada. A frente etanol tende a arrastar um sub-sistema industrial ligado à bioindústria, que aponta para o futuro em escala mundial.