Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 27, 2008

Merval Pereira - Armando o tabuleiro



O Globo
27/3/2008

O movimento brusco do governador Sérgio Cabral na sucessão da prefeitura do Rio pegou todo mundo, inclusive os dois partidos envolvidos - PT e PMDB - tão de surpresa que, muito além de interferir na campanha municipal, está fadado a ter repercussões políticas que podem alcançar a sucessão presidencial em 2010. Fruto de um acordo pessoal entre o presidente Lula e o governador do Rio, somente ontem os envolvidos, ou atingidos, diretamente pelo novo acordo estavam tomando pé da situação, e alguns deles, como o bispo Marcelo Crivella, do PRB, sentiram-se traídos.

Se a intenção do governador Sérgio Cabral é apoiar indiretamente Crivella ao lançar uma chapa fraca eleitoralmente, mas com poder de atingir o candidato Fernando Gabeira pela esquerda, e o prefeito Cesar Maia pela direita, essa ajuda não foi comunicada a Crivella, e nem ele está gostando muito da solução encontrada.

Por outro lado, alguns candidatos a prefeito do interior do Estado do Rio, que já haviam montado seus esquemas políticos em oposição ao PT, terão que rever suas estratégias. Um bom exemplo é o ex-prefeito Nelson Bornier, que disputará pela terceira vez a prefeitura de Nova Iguaçu contra o atual prefeito Lindberg Farias.

De adversário a aliado, Bornier agora está dependendo de que o presidente Lula não faça campanha para Lindberg, conforme lhe prometeu ontem o governador Sérgio Cabral.

Se, porém, a chapa PT-PMDB sinaliza uma tentativa de organizar uma coalizão partidária que possa ter fôlego para a sucessão de 2010, essa intenção não foi passada para o próprio presidente do PMDB, Michel Temer, que decidiu reunir um conselho nacional do partido para definir as coligações para as eleições municipais.

Temer pretende chancelar oficialmente o acordo feito pelo governador Sérgio Cabral, mas quer que o partido como um todo o apóie, para oficializar as eventuais negociações futuras. Entre elas, a sua própria indicação para a presidência da Câmara na sucessão de Arlindo Chinaglia.

O acordo está mantido pelo PT, mas a bancada do Senado está reivindicando a presidência para o partido, para que o PMDB não fique com a presidência das duas Casas.

Como tem as maiores bancadas da Câmara e do Senado, o PMDB, fortalecido pelos últimos acontecimentos dentro da base governista, acha que pode ficar com as duas presidências sem problemas.

Tudo indica que, assim como a anunciada coligação entre o PT e o PSDB em Minas tinha um cunho regional, mas objetiva um passo maior a nível nacional, a jogada do governador Sérgio Cabral surge para sinalizar uma outra possibilidade, muito mais ao gosto da cúpula nacional do PT.

Primeiro, ao abrir mão da cabeça de chapa mesmo sendo claramente mais forte eleitoralmente, o PMDB do Rio dá um sinal à executiva nacional do caminho viável para uma coligação com chances de vencer a eleição de 2010.

Para além do plano puramente regional, a nova aliança no Rio de Janeiro tenta inviabilizar o passo do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, que se coloca como uma alternativa política à sucessão de Lula quase consensual.

Aécio era o objeto de desejo do PMDB, estava fazendo uma coligação com o PT e PSB, entrando com facilidade pela base do governo, com o apoio do próprio presidente Lula, que já lhe garantira apoio caso ele trocasse o PSDB pelo PMDB. A reação do PT às alianças com os partidos de oposição, especialmente à possibilidade de haver um acordo mais adiante a nível nacional, começou a colocar resistências à manobra.

Levar para a executiva nacional do partido as decisões sobre alianças políticas fora da base do governo nas capitais e grandes cidades foi, como se vê agora, uma maneira não de permitir, mas de barrar alianças heterodoxas como a proposta feita por Aécio Neves e Fernando Pimentel.

Já existem movimentos fortes para que o PT tenha candidatos nas capitais, e sempre em acordo com o PMDB, como aconteceu no Rio. Em Minas, o lançamento da candidatura do ministro Patrus Ananias, que desde o início reagiu ao acordo do prefeito de Belo Horizonte, é também uma maneira de chamar para a coligação o PMDB mineiro que, através do ministro Hélio Costa, protestara contra a coligação do PT com o PSDB.

Também na Bahia já há indícios de que o PT lançará candidato próprio, em vez de se coligar com o PSDB contra o neocarlismo. O PMDB baiano, através do também ministro Geddel Vieira Lima, protestara contra essa aproximação, alegando que a base governista estaria sendo atropelada.

Em São Paulo, o PT já ofereceu a vice-prefeitura para o grupo de Orestes Quércia, que negocia no pacote apoio a uma candidatura ao Senado em 2010. Os próximos lances serão fundamentais para se ter uma idéia mais exata do alcance das novas coligações.

Se a executiva nacional do PT vetar o acordo com o PSDB em Belo Horizonte, ou simplesmente decidir lançar um candidato próprio à sucessão de Fernando Pimentel, sem levar em conta os acordos regionais, a jogada de Aécio Neves ficará prejudicada, e sua postulação à candidatura tucana perderá a força que vem ganhando.

Rejeitado pelo partido com o qual buscava alianças, não restaria a ele nenhum argumento político para se impor como a melhor alternativa do PSDB.

Ao contrário, o PT estaria demonstrando que considera mesmo os tucanos seus principais adversários e Aécio já não seria a melhor escolha para enfrentar o PT.

Todos esses movimentos são reflexo da disposição incomum com que Lula está se empenhando nas eleições municipais. Ele já avisou à oposição para "tirar o cavalinho da chuva", pois pretende fazer seu sucessor em 2010. A oposição que trate de se unir onde puder para enfrentá-lo, pois a tese de que sem Lula a sucessão seria uma barbada pode não se confirmar.

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