Mas o perigo da quebra se esvaiu rapidamente, não porque o Lehman ostentasse melhores condições de saúde financeira - o que também parece verdadeiro -, mas porque houve o precedente que selou a sorte do Bear.
A partir do momento em que o banco central americano, o Federal Reserve (Fed), deixou claro que um banco não pode mais quebrar, mesmo que seja um simples banco de investimento, a maior parte do pânico se dissipou.
Agora crescem nos Estados Unidos as pressões dos políticos para que o presidente do Fed, Ben Bernanke, explique por que despejou dinheiro público no resgate de uma instituição que foi irresponsável nos seus negócios.
O Fed foi muito mais do que o padrinho da venda do Bear para o JP Morgan. Comprometeu-se, também, a avançar US$ 29 bilhões para cobrir os títulos podres que figuravam em seus ativos. O secretário do Tesouro americano (equivalente a ministro da Fazenda), Henry Paulson, aplaudiu a ação do Fed. Em princípio, os prejuízos de um banco central com títulos micados em operações de salvamento são cobertos pelo respectivo Tesouro. E não vai ser diferente desta vez.
Essa decisão é vista como um grave precedente porque sanciona a lambança. Aconteça o que acontecer, o banco central estará a postos para evitar desastres.
Não é preciso convocar Bernanke a dar explicações. Mas, se for convocado, dirá que, nas circunstâncias, se o Bear fosse entregue à própria sorte se produziria uma enorme corrida aos guichês dos bancos, cujo desfecho seria a tão temida crise sistêmica. Nessa, os bancos cairiam um a um, como árvores à beira do rio numa pororoca.
Como qualquer banco central tem por obrigação cuidar do sistema financeiro e das instituições que o integram - sem o que não há como exercer a política monetária -, estaria justificada a política do Fed.
E não foi apenas o Fed que salvou banco quebrado. Em setembro do ano passado, o Banco da Inglaterra (banco central inglês), presidido pelo implacável Mervyn King, pode ter tido alguma dúvida inicial, mas, em seguida, não vacilou em estatizar o Northern Rock, que sofria uma corrida de aplicadores e estava nos telenoticiários do mundo.
Enfim, o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), instituído no Brasil em 1995 para salvar os bancos em crise, vai sendo adotado também pelas grandes potências, sob as mesmas justificativas. Por mais que se evoquem razões de risco moral (moral hazard), vai ser muito difícil condenar Bernanke por ter feito o que fez. O mais provável é que saia dessa como o bombeiro herói que se consagra no ataque a grandes incêndios.
Na quarta-feira, o analista Martin Wolf, do Financial Times, observou que a adoção dessa política do guarda-chuva torna inevitável aumentar o controle do sistema. A principal implicação é a de que será preciso aumentar o grau de regulação, supervisão e fiscalização do mercado financeiro pelos bancos centrais.
Quando, em que condições e como isso vai ser feito é uma discussão exaustiva que apenas está começando.