O Estado de S. Paulo |
27/3/2008 |
Avaliações otimistas, não obstante apressadas, davam conta de que o aparecimento do dossiê sobre os gastos da Presidência da República ao tempo de Fernando Henrique Cardoso obrigaria necessariamente o governo Luiz Inácio da Silva a divulgar os seus. A tentativa de intimidação teria sido, por essa ótica, um tiro no pé semelhante ao dado quando os “aloprados” foram flagrados a bordo de um dossiê e muitos milhões na campanha da reeleição do presidente Lula. Não há termos de comparação - a não ser pela similitude dos métodos de intimidação -, como se viu pela absoluta desfaçatez com que a base governista rejeitou quebras de sigilo e convocações indesejáveis na sessão de ontem da CPI dos Cartões Corporativos. O documento Vedoin, preparado para tentar derrubar a candidatura do tucano José Serra ao governo de São Paulo, provocou um estrago concreto. Ninguém foi punido, até hoje não se sabe da origem do dinheiro, mas por causa dele Lula não conseguiu ganhar no primeiro turno e a história virou uma assombração permanente. O dossiê FHC não produziu abalos mais graves. É verdade que neste a digital do Palácio do Planalto está nítida. Tão claramente exposta que o governo tomou a iniciativa de admitir a existência de um relatório de dados sobre os gastos do governo anterior, manufaturado em computador da Casa Civil, antes que o fato fosse revelado pela imprensa. Mas isso não aflige o palácio nem intimida sua base de apoio, ontem particularmente coalhada de nulidades na sessão da CPI à qual as estrelas - aquelas com nome a zelar - se abstiveram de comparecer. Quem apostou que a carta de Fernando Henrique pedindo a abertura de seus gastos teria o condão de constranger os governistas que, assim, estariam na obrigação moral de abrir os gastos do atual presidente, se esqueceu de um detalhe: a ausência da matéria-prima essencial. Para que alguém se sinta no dever moral de fazer qualquer coisa é preciso que haja moral a ser preservada. Cinco anos de intensiva produção de desculpas esfarrapadas e apresentação de justificativas injustificáveis para acusações de quaisquer natureza configuram um patrimônio nada desprezível de erosão ética. Depois que o presidente da República se viu obrigado a avalizar o crime eleitoral do uso de caixa 2 porque não tinha como responder às denúncias de corrupção; depois que o ministro da Fazenda invadiu o sigilo bancário de um cidadão; depois que o “capitão do time” virou lobista internacional e o presidente ainda se acha no direito de dar lição de moral em Deus e todo mundo, não seria um mero dossiê que provocaria em alguém no Palácio do Planalto o sentimento da obrigação ética. Quem não se constrange em ver a cúpula do partido e boa parte do “núcleo duro” do governo processadas por formação de quadrilha, não se constrange por pouco. E assim há exemplos a mancheias de que houve excesso de otimismo, ou carência de memória, na avaliação quase generalizada sobre a “inevitável” conseqüência que teria a divulgação da história do dossiê. A oposição tratou de disseminar essa versão no intuito de salvar a própria face - borradíssima - e disfarçar sua culpa no cartório num caso em que entrou levando rasteira do adversário e aceitando qualquer acordo. A união da tibieza com a ignomínia fez da CPI dos Cartões um legítimo latifúndio improdutivo. Pingos nos is Ao denunciar, por escrito, as ações dos deputados Eduardo Cunha e Leonardo Picciani, do PMDB fluminense, o deputado Osmar Serraglio amarrou no pescoço do gato o guizo que a Câmara em geral e a bancada do PT em particular gostariam de amarrar. Segundo relato distribuído por ele à bancada do partido, os dois montaram um balcão de negócios a partir do comando da Comissão de Constituição e Justiça, onde se revezam. Manipulam relatórios de projetos de interesse do governo em troca de cargos no Executivo e de posições importantes no Legislativo. As manobras há algum tempo chamam atenção, provocam reclamações e suscitam a desconfiança de que Eduardo Cunha possa estar articulando sua candidatura a presidente da Câmara. Mas nenhum dos parlamentares que vivem a falar das ousadias da dupla pelos cantos teve a coragem e a independência de Serraglio. Notável por isso quando relator da CPI dos Correios, cujo trabalho sustentou a denúncia do procurador-geral da República contra os 40 acusados do mensalão ao Supremo Tribunal Federal. O deputado é primeiro-secretário da Mesa. Nessa condição, seu relato detalhado sobre a movimentação de Cunha e Picciani não poderá ser ignorado pela presidência da Câmara. Isso em tese. Na prática, como o aparelho “estourado” por Serraglio é de conhecimento geral, inclusive da direção da Casa, que tudo sabe e finge que não vê, não será surpresa se ninguém se abalar. |
Entrevista:O Estado inteligente
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