O Globo |
26/3/2008 |
Somente agora, com a constatação de que vivemos uma epidemia de dengue no Rio de Janeiro, é possível ter-se uma idéia exata da tragédia que estava desenhada desde o ano passado. Estatísticas divulgadas discretamente pelo governo nos últimos dias revelam que todas as regiões do país tiveram uma epidemia de dengue no ano passado. E nada menos que seis estados, entre eles o Rio, tiveram o índice de mortalidade por dengue hemorrágica acima de 1%, nível considerado aceitável pela Organização Mundial de Saúde. Pará e Mato Grosso do Sul tiveram um índice de mortalidade por dengue hemorrágica acima de 20%, nível que o Estado do Rio está atingindo hoje. O Brasil bateu um triste recorde em 2007, quando uma epidemia de dengue hemorrágica provocou exatas 158 mortes, com predomínio de crianças, principalmente em Piauí, Maranhão e Mato Grosso do Sul com a volta do tipo dois, contra a qual as crianças com menos de 12 anos não estão imunizadas. Esse recorde nos iguala a Cuba, que teve uma epidemia de dengue hemorrágica em 1981 na qual morreram 158 pessoas, sendo 101 crianças. O governo Lula, que usou a tragédia do ano eleitoral de 2002 para culpar seu adversário na corrida presidencial, o ex-ministro da Saúde José Serra, poderia ter evitado a repetição da grande epidemia daquele ano, quando morreram 150 pessoas. Se os números da doença tivessem sido observados corretamente e a prevenção realizada, certamente não chegaríamos à situação em que estamos hoje: morreram 326 pessoas desde 2003. Durante a epidemia que ocorreu em Cuba, em 1981, foi relatado o primeiro caso de dengue hemorrágica fora do Sudeste da Ásia e Pacífico. Naquela ocasião, foram notificados 344.203 casos clínicos de dengue, sendo 34 mil casos de febre hemorrágica, 10.312 das formas mais severas. Para especialistas, era óbvio que a epidemia viria para o Rio, porque é área de risco natural, com grande infestação, e de troca de pessoas com o Nordeste, tanto turistas quanto trabalhadores que migram para o estado. Desde que o Ministério da Saúde, em 1999, descentralizou o controle de endemias, atendendo a uma determinação constitucional, a dengue não pára de crescer e de matar mais. Autoridades municipais alegam que o combate e controle da doença têm que ser centralizados, os municípios não têm condições de ter responsabilidade e competência independentes, pois os pacientes infectados circulam na região metropolitana, e os mosquitos nos bairros, e as pessoas têm contato com eles nos ônibus, vans e trens. Pelos dados oficiais, a letalidade acima de 20%, índice atualmente atingido pelo Rio de Janeiro, foi ultrapassada em 2007 no Pará, onde registraram-se 26,80% de mortes; e no Mato Grosso do Sul, com 20,43%. O Rio de Janeiro teve nesse mesmo período 16,40% de letalidade, quando o nível considerado tolerável pela Organização Mundial de Saúde é de 1%. Outros estados também superaram esses níveis no ano passado: Maranhão, com 8%; Piauí, com 12,80%; Ceará, com 3,40%. Uma tabela que mostra as taxas de incidência de dengue nas diversas regiões e respectivos estados revela que em todas as regiões do país, em 2007, já havia sido ultrapassado o número mínimo que caracteriza uma epidemia. O conceito de epidemia pode variar de um município/estado para outro, uma vez que se baseia numa série histórica de ocorrência de casos nos meses não epidêmicos nos últimos dez anos. Em geral, o Ministério da Saúde considera a taxa de 300 casos/100 mil habitantes como crítica. Em 2007, a Região Centro-Oeste foi a mais atingida, sendo que o Estado do Mato Grosso do Sul apresentou 3.213,0/100 mil habitantes, seguido da Região Norte, com o Estado do Tocantins, com 1.415,3/100 mil habitantes. Na Região Nordeste, o Estado do Ceará teve 487,2/100 mil habitantes; e, na Região Sudeste, o Estado do Rio teve 401.4/100 mil habitantes. Na Região Sul, o Estado do Paraná apresentou 464,8/100 mil habitantes. Como se constata pelos números oficiais, encerramos o ano de 2007 com uma epidemia de dengue espalhada pelo país sem que autoridades federais, estaduais e municipais tomassem providências. A decisão do governador Sérgio Cabral de abandonar a candidatura de coalizão que havia sido montada com o Democratas no Estado do Rio para apoiar uma chapa que tem como candidato a prefeito um petista mostra bem como Lula está empenhado em fortalecer a dobradinha PT-PMDB para as eleições de 2010. O deputado estadual Alessandro Molon é da nova geração de políticos petistas e fazia dobradinha com o deputado federal Chico Alencar, que saiu do PT para fundar o PSOL. As análises do prefeito Cesar Maia consideravam que os dois candidatos, e mais Fernando Gabeira e Jandira Feghali, dividiriam entre si os votos da esquerda do Rio, ficando a disputa real pelo poder municipal restrita à candidata de sua coligação, Solange Amaral, e ao bispo Marcelo Crivella, que contava ter o apoio de Lula. A jogada do governador Sérgio Cabral, que colocou um homem de sua inteira confiança como vice da chapa, o secretário de Governo Regis Fichtner, mostra até que ponto o governador do Rio está disposto a marchar junto com o presidente Lula. A chapa é eleitoralmente muito fraca, e só terá vida devido às máquinas federal e estadual. A máquina municipal, comandada por Cesar Maia, vai ter uma rivalidade inesperada. É tão estranha essa inversão, com o PMDB sendo vice de um PT que é fraco no Rio, que já há quem veja na manobra uma maneira de Sérgio Cabral e Lula enfraquecerem a candidatura de Fernando Gabeira para ajudar indiretamente o bispo Crivella a ir para o segundo turno. |
Entrevista:O Estado inteligente
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