do marujo McCain
Inesquecíveis aventuras vividas no Rio de Janeiro
por um jovem aspirante da Marinha dos EUA
No conto Noite de Almirante, de Machado de Assis, o marujo Deolindo Venta-Grande está eufórico pela perspectiva de rever sua amada Genoveva, depois de tantos meses no mar. Quando o navio atraca no Rio de Janeiro, os colegas lhe dizem: "Ah, Venta-Grande! Que noite de almirante você vai passar! Ceia, viola e os braços de Genoveva". Venta-Grande corre ao encontro da moça de "olho negro e atrevido". Decepção. Fica sabendo que ela se enamorou de um mascate, com quem vive agora. Idéias suicidas rondam a mente de Deolindo quando, no dia seguinte, volta ao navio. Os companheiros o saúdam com tapinhas no ombro e risinhos, perguntam como vai Genoveva, se estava bonita como sempre. Conclui Machado que Deolindo "respondia a tudo com um sorriso satisfeito e discreto, um sorriso de pessoa que viveu uma grande noite".
Deolindo é um pobre brasileirinho. Claro que um gringo obteria resultado melhor. Foi o que aconteceu com um aspirante da Marinha americana chamado John McCain, no distante ano de 1957. Em sua primeira viagem de instrução, a bordo do destróier USS Hunt, depois das agruras de vários dias no mar, eis que o navio aporta no Rio de Janeiro, e a marujada ganha nove dias de folga. Liberdade no Rio! McCain comemora. Na flor de seus 20 anos, já de cara cai na gandaia, a tal ponto que, cansado, quando um colega lhe fala de uma festa no Pão de Açúcar, de início diz que prefere voltar ao navio e descansar. O colega insiste, ele cede, e acaba contemplado com a sorte grande – conhece na festa uma modelo brasileira com a qual dança até 1 da madrugada. Ao se despedirem, marcam novo encontro para o dia seguinte, no portão de desembarque do cais em que estava estacionado seu navio.
Na hora marcada, nada da moça. Passa uma hora, passam duas. É o primeiro contato de McCain com a impontualidade brasileira. Quando, decepcionado, já se dispunha a voltar ao navio, surge diante dele uma Mercedes "com portas de asa de gaivota". Ela buzina. Ele se precipita para dentro do carro. E fica com ela "todos os momentos livres" do resto de sua permanência no Rio. A última noite eles passam juntos. Pela manhã, ela o leva, na Mercedes, de volta ao navio. McCain abre a porta de asa de gaivota e dá-lhe um beijo de despedida. Foi um triunfo. Os colegas, a bordo do destróier, contemplam a cena, e aplaudem em delírio. McCain afirma que recebeu a manifestação dos colegas com "pretensa e acanhada humildade". Pobre Deolindo, como sua sorte fica ainda mais ingrata diante do sucesso do estrangeiro. O fingimento que, no brasileiro, escondia uma funda frustração, no americano continha a explosão do júbilo que lhe tomava o peito. Não foi só uma noite – foram dias e noites de almirante que ele viveu na então capital do Brasil.
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John McCain é hoje, aos 71 anos, o candidato do Partido Republicano à Presidência dos Estados Unidos. Sua aventura carioca está narrada no livro de memórias que publicou em 1999, Faith of My Fathers. Na semana passada, ao falar sobre política externa, ele disse que o G8, o grupo dos países mais industrializados do mundo, deveria expulsar a Rússia e, em seu lugar, admitir como sócios o Brasil e a Índia. A gentileza para com nosso país pode decorrer das boas recordações que o nome "Brasil" lhe evoca. Ele escreve nas memórias que o episódio do Rio de Janeiro, "embelezado pela idade", perdura-lhe na memória como "uma das mais felizes experiências da vida". Foi no mês de junho que transcorreram esses dias gloriosos. Pouco tempo depois, McCain se aproveitaria de uma licença para voltar ao Rio e desfrutar por mais uns dias a companhia da amada. Impuseram-se em seguida as dificuldades da distância e a "impaciência da juventude", e no fim do ano o caso entre os dois já havia esfriado.
Quem seria a namorada brasileira do homem hoje com grande chance de ser o próximo presidente dos EUA? Ele não declara seu nome (se é que se lembra dele), mas fornece pistas. Não deviam ser muitas as moças que percorriam o Rio de Janeiro ao volante de uma Mercedes em 1957. Ela era "bonita, elegante e graciosa". McCain diz que a festa do primeiro encontro foi "numa grande casa no morro do Pão de Açúcar". Não pode ser porque não há lugar semelhante no Pão de Açúcar, mas no Morro da Urca, ali vizinho, e ligado ao Pão de Açúcar pelo bondinho, há. A moça pertencia a uma família "rica e socialmente preeminente". Ela o arrastou a jantares e recepções a que compareceram "ministros, generais, almirantes, ricos aristocratas". Numa ocasião, viu-se num evento em que esteve até o presidente do Brasil. O presidente em 1957 era JK. McCain não o nomeia. Nem mesmo na época talvez tivesse gravado seu nome. Uma moça bonita, modelo, filha de família rica, feliz proprietária de uma Mercedes e freqüentadora de festas a que ia até o presidente, no Rio de Janeiro de 1957 – o quadro diz algo a alguém mais velho, ou mais versado no período, com o olho nesta página? Cartas para a redação.