Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 02, 2008

FERREIRA GULLAR

O dono do pedaço


Lula às vezes me lembra o rei Ubu, de Jarry, e, às vezes, o Macunaíma, de Mário de Andrade

SE HÁ UM cara que me faz resmungar é o Lula. Veja bem, não acho que ele esteja se saindo mal como presidente, já que, além de sua inegável sagacidade, ele dá sorte como poucos, e isso é também uma qualidade. Embora não seja propriamente supersticioso, acho que há pessoas que dão sorte, enquanto outras dão azar. Por exemplo, Schumacher sempre dava sorte nas corridas, ao contrário do nosso simpático Barrichello, que quase nunca conta com ela. Claro que, além dela, o cara tem que ter outras qualidades, mas se o carro quebra pouco antes da linha de chegada...
Já o carro do Lula não quebra e, quando parece que vai parar, vem outro carro, bate-lhe na traseira e o motor pega de novo. Ou eu estou fantasiando? Não é verdade que a economia mundial vinha mal até 2002 e, ao começar 2003, logo após Lula tomar posse, iniciou-se um ciclo de crescimento que dura até hoje? E agora, quando parecia que a escassez de chuva ia provocar um apagão energético igual ao que desgastara o governo de FHC, ela se intensificou e encheu os reservatórios. O apagão já era. Melhor assim.
Como já disse, não sou supersticioso, embora a repetição de certos fatos às vezes me leve a crer que existe um espírito mau querendo me sacanear. Por exemplo, não há uma tarde de sábado ou domingo que não seja infernizada pelo disparo do alarme de algum carro em frente à minha janela. É azar? É acaso? Não sei.
Conheço um cara que diz que quem briga com ele se dá mal.
- Como assim?
- Explicar, não sei, mas todo cara que encrenca comigo morre. Não sou eu quem acaba com ele. Morre por conta própria. Na empresa em que eu trabalhava, tinha um diretor que não largava do meu pé, até que me demitiram. Pior para ele, morreu naquele desastre da Gol. E semana passada, outro desafeto meu foi parar no São João Batista, vítima de um enfarte fulminante. Por isso te aconselho, não briga comigo.
- E eu sou maluco?
Desse cara, não se pode dizer que dá sorte e, sim, que dá azar... para os outros. Lula também, ainda que seu santo forte não mande os inimigos para o cemitério; manda os amigos para a geladeira, se por alguma razão ameacem comprometê-lo. Foi o que ocorreu com a ex-ministra Matilde Ribeiro, que usou mal os cartões corporativos. Ao dar posse a seu substituto, cobriu-a de elogios para não perder o apoio da militância negra e acusou a imprensa de triturá-la. A culpa foi da imprensa, não dele.
O respeito à ética e ao bem público importa menos que seu interesse político. Entre o PDT de Lupi e o Conselho de Ética, fica com Lupi, fazendo-se de mudo, ele que fala pelos cotovelos. Lula, às vezes, me lembra o rei Ubu, de Jarry, e, às vezes, o Macunaíma, de Mário de Andrade, que nasceu na Amazônia, mas poderia ter nascido em Pernambuco.
E é por essas e outras que resmungo. E não é para resmungar? Se de um lado demite a ministra, porque ela pisou nos cartões, não aceita de jeito nenhum que se investiguem os gastos feitos, com o uso desses mesmos cartões, no âmbito da Presidência da República. E, com a mesma ligeireza com que defende a ex-ministra, alega que a revelação das despesas presidenciais pode levar a um atentado terrorista, igual ao de Timor Leste. Alguém ouviu falar que haja, no Brasil, grupos terroristas dispostos a assassinar Lula?
Até onde se sabe, se algum partido brasileiro esteve envolvido com guerrilha terrorista, foi o PT de Lula, com as Farc. Não obstante, não hesitou em lançar mão de argumento tão descabido para impedir que se quebre o sigilo dos gastos presidenciais. Por quê? Ninguém está pedindo que se revelem os esquemas de segurança que protegem o presidente e sua família, mas que se examinem as despesas correntes, que têm crescido a cada ano.
Dono do pedaço, sente-se num à vontade sem limites. Mal tínhamos nos refeito de suas referências ao terrorismo e já ele declarava seu integral apoio à tentativa da Igreja Universal do Reino de Deus contra jornais e jornalistas. Já são 63 ações judiciais simultâneas, impetradas por membros da Iurd, em diferentes cidades e Estados para inviabilizar a defesa dos acusados e sob a alegação de que as informações divulgadas os sujeitam a agressões e discriminações. As informações são de que a Iurd possui 40 estações de rádio, 23 emissoras de televisão e mais 19 empresas, registradas em nome de integrantes seus, o que ela não desmente. E não causa surpresa que não o faça. Surpresa causaria o presidente da República tomar o partido de quem pretende calar a imprensa. Mas também não causa.

Arquivo do blog