O Globo |
28/3/2008 |
O presidente Lula prossegue na sua campanha para banalizar qualquer transgressão legal que venha a ser cometida por um aliado político. Do alto de uma popularidade inédita no segundo ano de um segundo mandato, reafirmada ontem pela pesquisa do Ibope, o presidente sente-se autorizado a fazer e dizer qualquer coisa. De público, no clima de palanque eleitoral em que inaugurou obras do PAC em Recife, absolveu o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, defenestrado de seu cargo por culpa do "pedágio" que cobrava do concessionário do restaurante da Câmara, uma quantia tão irrisória quanto emblemática do clima de amoralidade que dominava a Casa. Apelidado ironicamente de "mensalinho", o dinheiro que arrecadava tinha o mesmo sentido do que alguns de seus colegas recolhiam nos envelopes do lobista Marcos Valério. Representava a possibilidade de usufruir benefícios por conta da posição política momentânea que ocupava. Pois o presidente Lula fez questão de retirar Severino Cavalcanti do anonimato em que se encontra para homenageá-lo em público, num ato político-eleitoral que não foi fruto de nenhuma "cretinice verbal" da oposição. Esse péssimo exemplo que Lula dá constantemente, passando a mão na cabeça de "aloprados" e "mensaleiros", é uma das piores facetas de seu governo, pois transmite ao cidadão comum a certeza da impunidade. Certa vez, ele também desculpou de público o ex-deputado professor Luizinho, que pegou só "uma merreca" de R$20 mil no esquema do mensalão. E o mensalão propriamente dito não passava de um esquema de caixa dois eleitoral "que todo mundo faz", tese, aliás, desmentida pelo Supremo Tribunal Federal. Parece que o êxito de seu governo na economia subiu-lhe à cabeça, e o presidente Lula anda bravateando em público que vai fazer seu sucessor que, a julgar pelas evidências e por frases de aliados, poderá ser sucessora. A líder do governo no Senado, Ideli Salvatti, alegou que Dilma não poderia depor na CPI dos Cartões Corporativos "pelo que poderá vir a representar em 2010". Nas entrelinhas, está dizendo que foi montada uma barreira de proteção para impedir que aconteça com Dilma o que aconteceu com o ex-ministro Antonio Palocci. Presidenciável de primeira hora, Palocci acabou se queimando com a quebra do sigilo bancário do caseiro de uma casa de lobistas no Lago Sul que ele freqüentava. Conversas telefônicas improváveis com o presidente dos Estados Unidos, pelo menos nos termos em que relatou, também fazem parte da onda de bravatas que vem contando nos palanques por onde passa, embalado pelas pesquisas de opinião. Certa vez, Lula revelou que acordara "invocado" e resolveu ligar para Bush para falar de determinado assunto. Agora, ao saber por Gordon Brown, primeiro-ministro inglês, que Bush estava chateado com seus comentários sobre a crise americana, Lula disse que ligou duas vezes para o presidente americano, e numa delas teria tratado Bush de "meu filho" e mandado que resolvesse sua crise para não atrapalhar o crescimento da economia brasileira. Esperemos que não, mas pode ser que a conversa tenha sido mesmo nesses termos. Talvez a intimidade que dizem que Lula tem com Bush, a empatia entre os dois, permita uma conversa nesses termos. Mas, revelar esses detalhes de conversas entre governantes não pode ser debitado a uma gafe diplomática. O presidente Lula está realmente convencido que pode fazer qualquer coisa, que nada lhe será cobrado ou questionado. O apetite com que se lança em campanha pelo país mostra bem a disposição que está de participar da eleição municipal, preparatória da sucessão presidencial. Lula sabe que somente ele dá liga para manter unida uma base partidária que pode chegar a nada menos que 14 partidos políticos, dependendo do contexto, um arco ideológico que vai do PP à direita ao PCdoB na extrema esquerda. A possibilidade do terceiro mandato consecutivo, que um grupo petista insiste em manter acesa, fica tanto mais atraente quanto mais altos aparecem os números de sua popularidade. Quando Lula manda a oposição "tirar o cavalinho da chuva", pois pretende vencer as eleições de 2010, tamanha certeza faz pensar que ele mesmo pretende concorrer. Mas essa possibilidade é muito remota, praticamente nula, pois seria um ataque contra a democracia, e nada indica que a sociedade brasileira aceitaria, mesmo aprovando seu governo com altos índices. Aparentemente, Lula está apostando suas fichas na capacidade de transferir essa popularidade para seu candidato, que hoje claramente é a ministra chefe da Casa Civil Dilma Rousseff. Como nenhum dos presidenciáveis petistas - além de Dilma, são cotados os ministros Tarso Genro, Patrus Ananias e Marta Suplicy - tem luz própria junto ao eleitorado nacional, Lula terá uma tarefa difícil pela frente para quebrar mais um paradigma tradicional da política, o de que a transferência de votos não costuma ser automática, ainda mais quando é preciso inventar um candidato. A força que sai revelada das pesquisas de opinião pública, umas atrás das outras, só tem um contraponto: a verborragia de Lula. Na oposição, cada vez que o presidente comete uma "cretinice verbal", há uma sensação de alívio. Se, além de tudo estar dando certo para seu governo, o presidente fosse um político comedido, com bom senso, não haveria espaço para a oposição. Nosso presidente está chegando "no limite da irresponsabilidade". |
Entrevista:O Estado inteligente
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