Aprendendo a viver mais perigosamente a cada dia, os residentes da cidade do Rio de Janeiro agora estudam com afinco táticas para evitar o contágio da dengue, não sem certa razão, porque o governo, o que lá seja isso aqui, por enquanto ainda não mostrou sua estonteante eficiência e ainda não promoveu uma reunião com os dirigentes do tráfico, cuja concordância, como se sabe, é necessária para tudo o que se faz na cidade. Na verdade, foi até comovente o ritmo impresso à criação de uma frente de emergência para o combate à doença. Criou-se a entidade numa semana e esperou-se o feriadão após a seguinte para estabelecê-la - emergência da braba mesmo. Vinte vezes a mortandade considerada inevitável pela Organização Mundial de Saúde, mas nós somos mesmo um país nascido para os recordes.
Compulsando rapidamente as fontes disponíveis, pude arrolar as causas mais importantes para a epidemia, que forneço como um serviço público às autoridades da frente de emergência, as quais, presumo em face de nossa experiência diária, ainda estão na fase de distribuir cargos e funções e talvez discutindo o jetom, as horas extras e as refeições. Então, só para dar uma apressadinha, antes que uma ONG defensora da preservação dos insetos hematófagos entre com um mandado de segurança a favor deles e o Judiciário o conceda, partilho com o leitor estas modestas e leigas achegas, talvez úteis.
Acho que a primeira causa eu nem precisava listar. Todo mundo já sabe, é a imprensa, sem a qual suspeito eu, nenhum dos problemas nacionais existiria, a não ser jornalistas desempregados, o que não quer dizer nada. Por enquanto, um jornal ou revista adequadamente enrolado e tripulado, pode matar um mosquito, se bem que seja oneroso demais e dê muito trabalho. Nada disso, os jornalistas se viram e vão ser garis, ou qualquer coisa assim, para isso eles são qualificados. Quanto aos noticiários de rádio e tevê, seriam vantajosamente substituídos por cidadãos e cidadãs que sempre quiseram ser artistas de rádio e tevê e sempre foram excluídos pelo Sistema. E, pronto, mais problema nenhum, ainda mais sem imprensa, para conspirar e ficar fazendo o terrorismo habitual.
Em seguida, sem ordem de importância, vêm a chuva, as bromélias e os argentinos. A chuva já foi acusada com veemência por diversas autoridades e, realmente, está um descalabro. Além de chover sem o menor planejamento e na maior desorganização, chove em qualquer lugar, os critérios são inexistentes. Assim fica difícil trabalhar. O sujeito vai, limpa e enxuga o que pode, vem a chuva e molha tudo novamente. Eu queria ver os americanos conseguirem debelar qualquer mosquito nessas condições. Planejando a chuva como eles, é mole. Quanto às bromélias, sempre estiveram por aí, até bem antes da maioria de nós, mas, agora que apareceram na mídia, não querem mais sair. Devíamos jogar duro: Medida Provisória nelas e banimento para o Nordeste, onde elas iam secar de qualquer jeito e os poucos nordestinos que pegassem dengue iam se beneficiar, pensando que arrepio é ar-condicionado e morrendo em grande felicidade. E, finalmente, em relação aos argentinos, de fato não vi nada alegado até agora, mas estou esperando ouvir um bochincho no boteco: 'Isso é coisa de argentino.' E você sabia que há bromélias nativas na Argentina? Pois é o que estou lhe dizendo, daqui a pouco eles têm o ananaz atômico.
O comportamento do aedes também precisa ser fortemente denunciado e se faz tardar um pronunciamento no Senado, mostrando como essa criatura delinqüente ameaça as instituições. Em primeiro lugar, a conduta individual da fêmea (sim, como muito se reitera, quem morde é a fêmea, o macho vive de vapores poéticos, como todo macho), que, além de não conter seus impulsos libidinosos, seduzindo os pobres machos ao pecado qual uma Eva díptera sequiosa de prazer carnal, se recusa a usar qualquer método anticonceptivo. Se não ficasse grávida, não precisaria de sangue. Coisa da Zelite perniciosa e libertina, que só pensa nos próprios interesses. Em segundo lugar, suas entidades se negaram até o último instante a admitir que estavam formando quadrilha, fazendo epidemia. A imprensa dizia que sim, os doentes mostravam que sim e nada de eles reconhecerem a patente verdade. Agora estão aí desmascarados, certamente vem CPI, mas no fim vai dar tudo em poça, podem crer. Pouquíssimos mosquitos jamais foram punidos no Brasil, com a exceção dos que morderam certos políticos e jamais conseguiram zumbir uma verdade novamente.
E o complô mundial da indústria farmacêutica, especialmente no setor de analgésicos? O aedes - Zelite é Zelite - não aceita Melhoral e contam aqui que os estoques de remédios, repelentes e inseticidas estão acabando. Quanto aos fabricantes de repelentes e inseticidas, já devem estar gerando empregos (olhem aí, isso ninguém fala) para contadores de dinheiro. Mas é claro que os preços vão baixar, não só, como qualquer um que procurou um repelente ontem verificou, porque as farmácias colaboram e os laboratórios idem e o governo vai retirar os impostos que recaem sobre eles (isso, claro, depois dos necessários estudos, que estarão concluídos assim que a epidemia acabar e já formos uns cem milhões de saudáveis sobreviventes).
Deixei para o fim o principal culpado. Nós, o povo, não há discussão. Sem povo, não haveria epidemia e muitos menos reclamações. É o povo que fica doente ou com medo de estar doente e é o povo que não faz o que devia para não ficar doente. A conclusão impõe-se: o povo é que é o grande problema dos governos, especialmente nas democracias.
'A primeira todo mundo sabe, é a imprensa; sem ela o País não teria mais nenhum problema'
'Em seguida, sem ordem de importância, vêm a chuva, as bromélias e
os argentinos'