editorial |
O Estado de S. Paulo |
28/3/2008 |
Um espetáculo de som e fúria, o da CPI dos Cartões, também conhecida como a CPI da Tapioca, rivalizou no noticiário político dos jornais de ontem com outro show do gênero, o do Cavalinho da Chuva, protagonizado pelo presidente-itinerante. O primeiro está reduzido à passagem do rolo compressor da maioria governista sobre uma oposição desnorteada, a que só resta, afinal, o direito de espernear. O segundo show, inspirado pelo primeiro, é mais do mesmo vale-tudo verbal em que Lula diz o que quer, sem correr o mais remoto risco de ouvir o que não quer. A CPI, como se sabe, tornou-se uma armadilha para a oposição desde que, espertamente, a base lulista no Congresso dela decidiu participar, quando a sua instalação se mostrou inevitável. A sua jogada óbvia era provocar o aborto de qualquer tentativa séria de se investigar os gastos impróprios de servidores de escalões diversos com os chamados cartões corporativos ou com os cheques das contas bancárias tipo B de que fossem titulares. Depois que este jornal chamou a atenção para as irregularidades no uso de cartões corporativos, que apurou, diga-se de passagem, examinando o site da Controladoria-Geral da União, um aluvião de investigações mais minuciosas do que o site expõe trouxe a público revelações de abusos consideráveis misturados a absolutas irrelevâncias. Umas custaram o cargo à então ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro - a recordista no (mau) uso do dinheiro público de plástico no ano passado. As outras acabaram simbolizadas na tapioca de um punhado de reais que o ministro dos Esportes, Orlando Silva, pagou com o cartão, indevidamente, por estar em Brasília. De todo modo, o foco da questão se deslocou para os gastos da Presidência com secos e molhados que o governo se recusa a divulgar sob o disparate de que o sigilo é necessário à segurança do chefe de Estado. No processo, confundiu-se uma coisa séria - o direito da sociedade de saber para onde vai o seu dinheiro - com a bisbilhotice, transformada em arma política, sobre as despensas palacianas. Desde a primeira hora, por via das dúvidas, o Planalto tratou de amortecer as cobranças da oposição, ameaçando vazar os gastos similares dos anos Fernando Henrique. Por sua iniciativa, ou não, um vazamento aconteceu, como publicou no último fim de semana a revista Veja, falando em “dossiê”. Foi o que bastou para ressuscitar o inquérito parlamentar que deslizava para a morte em surdina. Só que ninguém duvida de que terá escassa vida útil, embora barulhenta. Escassa, porque assim ordenou o governo, bloqueando a convocação da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e vetando 32 dos 48 esclarecimentos requeridos por membros da CPI. E barulhenta, no que depender da oposição - condenada, sabe-se até quando, a pregar para os convertidos. O ponto é que o alarido nem é percebido pela ampla parcela dos brasileiros que só têm ouvidos para a soberba do presidente. O homem, como diz o povo, está que não se agüenta. No show de som e fúria a que se aludiu no início deste comentário, um evento do PAC armado num bairro da periferia do Recife, ele aconselhou a oposição a “tirar o cavalinho da chuva”, se imagina que derrotará o seu candidato em 2010, porque “vamos fazer a sucessão para continuar governando este país”. É a primeira vez que Lula abre o jogo sobre o seu projeto para o próximo período presidencial - se há um caso de plural majestático que não deixa margem a equívocos é este. Mestre em afagar o público para que sempre o veja como um dos seus, falou de sua aversão a ficar em Brasília ouvindo discursos: “Eu vou para a rua ouvir o povo, que eu ganho mais.” A platéia exultou, alheia de todo às rasteiras que o orador passava na verdade dos fatos. Como, por exemplo, ao dizer, no seu discurso de campanha, que não procedem as acusações de que está em campanha. “Não estou em campanha, não”, afirmou, “porque não posso concorrer.” Está, isso sim, em campanha redobrada: para as eleições municipais deste ano e as nacionais, daí a dois. Além dos seus comícios de rua, nos bastidores dos palanques articula alianças eleitorais. A última que concluiu foi com o governador fluminense Sérgio Cabral, do PMDB, que atrelou seu partido a um candidato petista para prefeito do Rio. Mas, como dissemos, ele pode dizer o que quer. Como mostra a pesquisa do Ibope que está sendo divulgada hoje, Lula continua com vento de popa. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, março 28, 2008
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