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CPI dos Cartões: foco errado nos gastos dos presidentes |
Uma comissão parlamentar foi instalada no Congresso Nacional para apurar o uso e abuso que cerca de 7 000 privilegiados funcionários públicos fazem de seus cartões de crédito com faturas pagas pelo contribuinte. Eis um problema real em busca de uma solução real. Esses milhares de senhores e senhoras trazem nos bolsos cartões que lhes dão, em conjunto, um ilimitado poder de gasto. Só no ano passado foram quase 180 milhões de reais, boa parte disso em saques. Parecia uma questão que transcendia as divisões partidárias e se constituía em uma das poucas vezes em que governo e oposição poderiam se unir em torno do interesse nacional. Parecia. A CPI perdeu seu foco maior e anda obcecada há duas semanas apenas pelos gastos feitos pelos presidentes da República, pelas primeiras-damas e pelos vice-presidentes.
Isso é um erro. Satisfaz a curiosidade e atrai os holofotes insistir em saber que marca de champanhe Fernando Henrique Cardoso preferia ou quantos potes de protetor solar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou comprar em uma viagem a Manaus. Mas não passa disso. Essa é uma meta paralisante para a CPI. Os gastos dos presidentes precisam ser protegidos, sim, por sigilo. Os presidentes têm direito, sim, a vinhos de qualidade à mesa. Eles são constitucionalmente os primeiros mandatários da nação, que representam no cenário mundial, têm encargos pesados, missões complexas e são obrigados a seguir protocolos chatérrimos dia após dia enquanto durem seus mandatos. Que os gastos da Presidência da República – cerca de 0,01% do orçamento fiscal – sejam protegidos por sigilo não significa que eles estejam livres de qualquer escrutínio. Se estivessem, seriam gastos clandestinos. E não são. Atualmente esses gastos já são auditados pela Secretaria de Controle Interno da Presidência da República e poderiam ser, como em alguns países, colocados à disposição de um seleto comitê do Senado apenas para efeito de controle, e não de divulgação. Mas, como demonstram as reportagens de VEJA a respeito do vazamento de um relatório sobre gastos da Presidência de FHC, sigilo em Brasília não tem vida longa.
É hora de a CPI voltar a sua trilha original e mais produtiva. Quando o problema da liberalidade dos cartões oficiais veio à tona, VEJA escreveu em uma reportagem: "As questões centrais a ser travadas em torno dos gastos das altas autoridades são as mesmas que dizem respeito a todos os gastos do dinheiro público. A saber, quais são os limites? Quais são as regras? Quem controla os gastos? Quais são as punições para quem transgride? Quando essas questões tiverem respostas transparentes, a crise dos cartões desaparecerá tão rapidamente quanto surgiu". Essa recomendação ainda é válida.