Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 29, 2008

Lya Luft

"Minha mulher
é uma santa
"

"Mulheres que ‘perdoaram’ o marido e continuaram
com ele – a não ser quando há um recíproco e real
desejo de refazer a relação – têm no olhar uma
tristeza como de viuvez que não se apaga"

Ilustração Atomica Studio


Nada país tem seus espantalhos. Aqui, figurões se esbaldam contratando bailarinas com cartões pagos por nós, os trouxas. Simples assim. Nos Estados Unidos, flagrados em algo imoral (para eles), batem no peito em público, com a "santa esposa" ao lado. Por que essas mulheres reprimem a dor e a vergonha, apoiando o malandro diante de todos? Pressões políticas das quais não sabem se esquivar? Medo da solidão? Melhor infeliz, mas casada? Aí a gente fecha um olho e fica desgraçada para sempre? Casamento pode ser uma doença a dois.

"Minha mulher é uma santa", dizem os puladores de cerca desde o tempo das cavernas. Essa figura da "santa" em casa é um mito a ser removido do nosso imaginário: quase sempre elas são acumuladoras de ressentimento e mágoa, que um dia, ou no dia-a-dia, se vingam até sem perceber. Com cobranças, com acusações, ridicularizando o maridão diante de outros, jogando os filhos contra ele. E, se um dia houver uma separação, pobre do moço: sobre ele serão lançadas todas as fúrias possíveis.

A mim essa figura constrange tanto quanto a "santa" mulher exposta à violação do privado pelo público diante do seu país, o que aparece especialmente nos Estados Unidos. Diante das câmeras sôfregas ou no segredo da casa, a mulher naturalmente perdoa, deve perdoar? Ainda é o que se espera dela? Consegue eventualmente perdoar e seguir a vida com esse parceiro, sem ressentimentos, corroendo a vida por baixo do tapete? E por que razões permanece com ele?

Há quem, sabendo-se traída, argumente curto e grosso: "Agora tenho sossego na cama". "Eu me vingo gastando os tubos", ou ainda: "É pelo bem dos filhos" (eles exigem o martírio materno). Mulheres que "perdoaram" o marido e continuaram com ele – a não ser quando há um recíproco e real desejo de refazer a relação – têm no olhar uma tristeza como de viuvez que não se apaga. E o parceiro, confiante na impunidade, já ocupado em novas aventuras, nem se dá conta disso, enquanto a mulher segue em frente, remoendo sabe-se lá que dúvidas, passando sabe-se lá que valores aos filhos, e que modelo às filhas. A mãe vítima é um peso do qual dificilmente hão de se livrar.

E quando esse drama vem a público, com mulheres firmes ao lado de quem enxovalhou amor, confiança e família, mas por apego a cargo ou poder bate no peito, assistimos talvez ao último degrau na descida ao inferno pessoal feminino. Todo o esforço para que em nossa cultura a mulher se valorize anulava-se no rosto devastado junto ao atrapalhado dom-juan americano, campeão de hipocrisia, que ganhou a imprensa semanas atrás: ele fazia do combate à prostituição sua bandeira, mas era freguês de caderno de um caríssimo clube de alegres moças. Nem o nome ele precisava dar: era o Cliente Número Nove.

Flagrado, pediu desculpas e prometeu se comportar, como o moleque que roubou maçãs do quintal da vizinha. "Minha mulher é uma santa", há de dizer na roda de amigos. Mais um ser humano ferido de morte. Simples assim.

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