O Globo |
27/3/2008 |
O Brasil está num bom momento, exceto por dois detalhes: a cidade que não pode parar, parou; e no mais famoso balneário, deve-se evitar a bermuda e usar sapato e meia. A dengue tira o melhor do frescor de uma cidade à beira-mar, e o trânsito acaba com a mobilidade de uma cidade de negócios. O professor Marcos Cintra começou a fazer a conta das perdas de São Paulo. Já está em R$27 bilhões. São Paulo bate recordes de congestionamento e o Rio bate recordes de casos de dengue e de mortes por dengue. Há empresas e pessoas que têm que transitar entre as duas cidades para os seus negócios. O risco no Rio voa na forma de um inseto que tem derrotado, até agora, três instâncias de governo. O prefeito da cidade foi engolido pelo computador e, de algum ponto da second life, governa a cidade infestada por uma doença que seria controlável caso houvesse planejamento, investimento em ações preventivas e hospitais funcionando. Certamente no seu mundo virtual o prefeito eliminou o mosquito da dengue. Cesar Maia, que só manda e-mail, materializou-se ontem para dizer que usa manga comprida, calça comprida, sapato e meia e insistir na sua tese improvável de que não há uma epidemia no Rio. Enquanto o Rio passa repelente, São Paulo é informada de que a prefeitura porá em prática um pacote de medidas para melhorar o trânsito, mas que pode, como disse o prefeito Gilberto Kassab, demorar "meses para ter resultado". Nesses meses, ele estará em campanha para a reeleição. Na cidade, que tem 16 mil quilômetros de vias, existem cerca de 10 milhões de automóveis circulando; 8 milhões registrados na capital. Nos primeiros três meses do ano, os paulistanos têm se apavorado diante do volume de carros na rua e, claro, diante das horas gastas para chegar e sair do trabalho. Qualidade de vida é o primeiro que se perde; isso não dá para pôr em números. A cidade pode perder também em competitividade e investimentos. Tentando quantificar essas perdas, o professor Marcos Cintra, vice-presidente da FGV, fez uma lista dos impactos do trânsito para a vida do morador de São Paulo, para a cidade e até mesmo para o país. Para começar, ele calculou o que as pessoas perdem prisioneiras do trânsito, afinal, nessas horas, elas poderiam estar trabalhando ou se dedicando a outras atividades. Considerou as três horas de tráfego parado pela manhã e as outras três no fim da tarde e uma perda de dois salários mínimos mensais. Pela manhã, na cidade, o engarrafamento chega, em média, a 80 quilômetros e, à tarde, a 120 quilômetros. Isso em média, porque ele tem batido os 200 quilômetros. Feita a conta, o professor chegou à conclusão de que o custo de oportunidade - o que cada pessoa poderia estar produzindo em vez de estar ali parada se desesperando com a imobilidade - é de R$27 bilhões anuais. É o que todas essas pessoas juntas estariam deixando de ganhar. Um segundo item de perda vem do custo do transporte. Segundo o professor, há uma grande variação entre um frete, por exemplo, numa cidade como Brasília (que tem muitos carros, mas nem tanto) e em São Paulo. O terceiro item que está sendo calculado é o impacto na poluição e nos conseqüentes gastos com saúde pública e o quarto é o custo do trânsito parado para prestadores de serviço, que necessitam se mover. Imaginem, por exemplo, um técnico de informática, que precisa atender seus clientes. Quanto tempo ele gasta só entre ir a um local e outro? Isso, no fim das contas, significa bem menos dinheiro. Não resta qualquer dúvida de que os congestionamentos têm um impacto muito forte na vida das pessoas e da cidade, fazendo com que ela perca competitividade. E, considerando que São Paulo é o principal motor econômico do país, quando a cidade tem um problema que faz encarecer seus custos, isso pode acabar tendo impactos até na inflação nacional. O professor Cintra explica que um dos grandes problemas está no "modelo arterial", que faz com que o tráfego seja sempre levado a "grandes artérias", que são as marginais, as grandes avenidas. Isso já deu certo um dia, é modelo de muitas cidades americanas, mas já não funciona mais. O resultado é que, enquanto os eixos estão completamente engarrafados, 95% das vias estão ociosos. - A solução para 10, 20 anos é o transporte coletivo, não há dúvida. Mas isso demora e acho que qualquer dia a cidade pode simplesmente entrar em colapso, parar. No curto prazo, é necessário fazer uma "revascularização" do trânsito, usando as vias disponíveis. É melhor gastar menos para usar essas vias que construir grandes obras. É melhor, por exemplo, fazer pequenas pontes para evitar as marginais. São Paulo gastou R$1,3 bi em obras extravagantes - diz Marcos Cintra. A densidade de automóveis nas ruas de Manhattan ainda é 17 vezes maior que nas de São Paulo, mas lá se usa um sistema mais "vascularizado". O trânsito sempre foi ruim em São Paulo, mas, neste primeiro trimestre, a cidade chegou ao seu limite; às pessoas, à exaustão. A explicação, diz o professor, está no aquecimento da economia e no aumento brutal de carros: 800 novos automóveis passam a circular por dia em São Paulo. A cidade mais dinâmica do país não anda; e, na mais famosa cidade de praia brasileira, não se pode pôr uma bermuda. No resto, está tudo bem. |
Entrevista:O Estado inteligente
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