Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 30, 2008

Alberto Tamer Economia americana resiste à recessão


Apesar de tudo, a economia americana surpreende e continua resistindo bem, em meio ao vendaval que sacode o mercado financeiro. Em fevereiro, o consumo aumentou só 0,1% na comparação com o mês anterior, mas a renda dos assalariados cresceu e, importantíssimo, a inflação estabilizou-se e o nível de desemprego se manteve. Não é lá uma grande performance, mas é, sem dúvida, um bom resultado neste clima de desconfiança do consumidor.

BOLSA EM CLIMA MORNO

Também na semana, os índices das bolsas estiveram comportados, oscilando em torno de +1% e -1%. O choque da quase quebra do Bear Stearns foi absorvido e a redução do juro trouxe a certeza de que o Fed (banco central americano) teme mais a recessão que a inflação. Vencemos mais um mês sem as catástrofes anunciadas. É o sexto mês desde outubro, quando se iniciou a crise imobiliária, e o terceiro depois que o Fed admitiu, com um atraso inexplicável, que a situação era mais séria do que previa e podia sair de controle. Mas, a partir daí, agiu do modo que os economistas mais respeitados afirmam ser o caminho certo. Tão certo que o Fed conseguiu diluir o grande choque que se esperava, há duas semanas, e que ameaçava todo o sistema financeiro numa onda de insolvências com repercussões imprevisíveis.

FED OUSA COM INFLAÇÃO

Há um fato novo que deve ser realçado: a ousadia de Bernanke, presidente do Fed. Parece que ele reconheceu ter chegado atrasado para debelar o incêndio, mas trouxe consigo a mangueira heterodoxa da inflação para evitar a recessão. Está sendo o único entre os participantes desse drama. Opondo-se à rigidez monetária de seus colegas da zona do euro e da Grã-Bretanha, ele aceita uma inflação de 4,2% por algum tempo, porque a outra alternativa, a recessão, seria pior. Ficou com o mal menor, porque a inflação era mais fácil de combater e já estava aí, enquanto a recessão apenas se insinuava.

Agora, a informação é de que o Fed está pensando em levar mais seriamente o núcleo como fator indicativo da alta de preços. Isso porque os itens que ele não inclui no núcleo, por serem voláteis - energia e alimentos -, deixaram de ser. Vieram para ficar. Ninguém mais imagina os preços do petróleo recuando para baixo de US$ 100; ao contrário, já se aceita algo próximo de US$ 110. E, quanto a alimentos, nem falar. Decididamente, os preços não devem cair nos EUA, graças a uma “genial” estratégia geopolítica do governo americano de usar milho para produzir etanol. Com isso, afeta toda uma cadeia produtiva alimentar, até mesmo a animal.

Se o Fed adotar o novo critério, o núcleo de 2,2% passaria mais de 3%, aproximando-se da inflação plena da zona do euro. Mesmo assim, Bernanke insiste: não é hora de pensar em deixar de socorrer o sistema financeiro, de punir os temerários que abusaram do risco nem de ter medo de uma inflação. Ela é menos nociva no curto prazo que as insolvências financeiras e o desemprego em massa.

E O NOSSO JURO, HEIN?

Sei que é essa a pergunta de vocês. Se eles baixam o juro aceitando mais inflação, por que o nosso BC quer fazer o oposto? Os dois cenários diferem totalmente. Os EUA, em retração, têm urgência de consumir mais. Nós, que estamos em crescimento, precisamos consumir menos. Lá, as pessoas vêm consumindo muito, há muito tempo; aqui, só agora se começa a consumir mais. Basta ver os índices de emprego, consumo, confiança, todos positivos. Mais ainda: os EUA nunca tiveram inflações exageradamente altas; nós somos doutores em hiperinflação. Lembro-me de quando ela passou de 1.500%. Todo mundo aplicava no mercado financeiro para “ganhar” um salário a mais. Eram dois “salários”: o do trabalho e o dinheiro que entrava na conta. Apesar de ilusório, aumentava o poder aquisitivo. Nessa ciranda financeira, as pessoas alimentavam a demanda e a própria inflação, que consumia a renda. Mesmo assim, eram felizes e não sabiam... O Plano Real, de Fernando Henrique Cardoso, acabou com isso. Lula teve o mérito e a coragem de manter o freio.

ELES E NÓS

Há outros fatores estruturais que explicam a diferença entre os dois cenários. Os EUA possuem uma enorme e madura capacidade de produção agrícola e industrial e há décadas recebem investimentos diretos maciços do mundo todo; nós estamos apenas iniciando.

Outro fator é que o sistema bancário deles está sendo atingido, não pode arcar com mais perdas com credores. Nós não temos esse problema, graças ao êxito do Proer, também do governo passado; e uma taxa mais alta não vai provocar distúrbio de crédito. Por isso, o Brasil não pode seguir países que vivem outra realidade socioeconômica e dispõem de uma estrutura que ainda estamos construindo. Vendo isso, parece que o presidente decidiu ficar com o BC. Aceita o sacrifício de crescer menos, para que um crescimento maior não seja feito ao custo da inflação, aquela velha senhora que entrava em nossas casas vendendo ilusões.

Se os indicadores do governo estão realmente dizendo que a demanda está excessivamente aquecida em relação à produção, que os preços dos produtos importados também estão aumentando, que se adotem as medidas necessárias para evitar “essa inflação desgraçada”. Não gostam? Mas quem disse que este é momento para gostar? Vocês acham que o Bernanke está satisfeito por aceitar 4,2%? O importante é evitar o pior. Eles, a recessão; nós, a inflação. Afinal, crescer apenas 4.5%, assim como a crise americana, não é nenhuma tragédia. Na verdade, já tivemos momentos piores. Vocês não acham?

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