Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 26, 2008

Paulo Rabello de Castro Esta reforma não reforma



Folha de S. Paulo
26/3/2008

A proposta de reforma lançada pela administração não só mantém como arrisca majorar mais a carga tributária

EM RECENTE negócio de transferência de tecnologia -muito proveitoso para o Brasil- em que o parceiro estrangeiro receberia 2% sobre o preço de venda "líquido de tributos", a dificuldade da negociação foi convencer os empresários do outro lado do mundo de que, aqui, nada menos que quatro diferentes tributos incidiriam sobre o preço de venda da futura produção, onerando-a em quase 40%. Seriam, pela ordem, o ICMS, o IPI, a Cofins e o PIS. Caso o equipamento fosse alugado, também incidiria o ISS, aumentando a lista para cinco categorias diferentes.
Não parecemos ser um país preocupado com o futuro, com o potencial de crescimento, com a geração de empregos, com as chances dos jovens num mundo cruelmente competitivo. Por que somos tão alheios ao que nos condena a um desempenho inferior ao potencial das pessoas e das organizações no país? A administração pública tornou-se devoradora da competitividade nacional. Não há que cogitar uma reforma tributária se ela não vier acompanhada de uma bela chacoalhada na composição e no nível do gasto público nas três esferas de governo.
Infelizmente, a proposta de reforma lançada pela administração não só mantém como arrisca majorar mais a carga tributária. O motivo desse defeito de fabricação da reforma é o compromisso prioritário do governo em garantir cobertura para o insustentável nível da despesa pública (hoje em 40% de toda a produção nacional!), em vez de refletir o que seria a demanda principal da sociedade, a contenção imediata do gasto e da tributação, tal como ficou claro na vitoriosa campanha pela extinção da CPMF, cuja pretendida prorrogação, em apenas dois meses de arrecadação em 2008, já se comprovou totalmente desnecessária.
O projeto de reforma contempla alguns pleitos da sociedade, como a compactação de três contribuições (PIS, Cofins e Cide) numa só categoria federal (o "IVA" nacional) e a junção da esdrúxula contribuição sobre o lucro (CSLL) à base do IR da pessoa jurídica. Nisso fica a reforma efetiva. No restante, vem o diabo, justamente nos detalhes e meandros da proposta.
O projeto inova onde não convém e empaca onde deveria avançar. É corajoso em inventar erros novos, enquanto parcimonioso ao pretender eliminar erros antigos. Entre os erros antigos, os piores são a manutenção do famigerado IPI, o Imposto sobre Produtos Industrializados -um tributo antiindústria-, e a contribuição patronal ao INSS, que torna a contratação de mão-de-obra nacional, percentualmente, a mais cara do mundo! Há outros erros, novos, como a proposta de compartilhamento do novo IVA nacional entre as três esferas de governo, que fatalmente aumentará a carga total, criando-se para isso um fundo de compensação entre Estados, além da reinvenção do imposto sobre as "viúvas proprietárias de imóveis" -ou seja, o imposto sobre "grandes fortunas". E o pior de todos, a terrível invenção de uma nova instância política, o "senadinho"- como será conhecido o conselho de secretários da Fazenda no Confaz, assim que estufados os poderes desse órgão, de interferir, por voto de maioria, na vida fiscal dos Estados brasileiros.
Muito mais haveria que dizer sobre as 14 páginas do texto oficial. Mas, numa linha, essa proposta ainda não é aquela que, de fato, reformará a estrutura fiscal com olhos postos no futuro do Brasil. Lastimo que não tenhamos tido a coerência de manter foco e rumo nos três objetivos de uma reforma tributária que 100% dos futuros trabalhadores do Brasil aplaudiriam: simplificação, desoneração e capacidade de competição global.

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