Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 20, 2008

Tentando explicar a crise financeira


artigo - David Leonhardt
O Estado de S. Paulo
20/3/2008

Levante a mão quem não entende direito essa crise financeira.

Ela já está completando sete meses e muitas pessoas, provavelmente, sentem que deveriam compreendê-la. Mas não compreendem, não realmente. A parte sobre o colapso imobiliário parece simples. Com os bancos sussurrando doces palavras de encorajamento, as pessoas compraram casas que não poderiam pagar, e agora estão com as hipotecas atrasadas.

Mas a maioria esmagadora dos proprietários de casas ainda vai muito bem. Então, como pode um problema concentrado em parte do negócio hipotecário - os empréstimos subprime - ter congelado os mercados de crédito, deixado os mercados acionários em polvorosa, causado o colapso do Bear Stearns, deixado a economia à beira da pior recessão em uma geração e obrigado o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) a tomar a medida mais temerária desde a Depressão?

“Estamos expondo partes dos mercados de capitais que a maioria de nós nunca ouviu falar”, disse, na semana passada, Ethan Harris, um importante economista do Lehman Brothers. Robert Rubin, ex-secretário do Tesouro e atual executivo do Citigroup, disse que nunca ouvira falar de “liquidity puts”, um obscuro contrato financeiro, até eles começarem a causar grandes problemas ao Citigroup.

Passei boa parte dos últimos dias telefonando para pessoas de Wall Street e do governo com uma pergunta. “Pode tentar me explicar isso?” Quando eles terminavam, eu geralmente tinha uma pergunta seguinte altamente sofisticada, “Pode tentar de novo?” Saí da experiência achando que toda a incerteza criou pânico, em parte, irracional. Dito isso, a crise não está perto de terminar.

Ben Bernanke, o presidente do Fed, não conseguirá agitar uma varinha mágica e deixar tudo melhor, por mais que corte taxas e tente animar Wall Street. Como ele próprio sugeriu, a única coisa que porá fim à crise é o fim do colapso imobiliário. Então, voltemos ao começo do boom.

Ele começou de fato em 1998, quando um grande número de pessoas decidiu que investir em imóveis se tornara um bom negócio. Ao mesmo tempo, Wall Street estava facilitando empréstimos aos compradores. Estava transformando a atividade hipotecária de negócio local que era, centrado em bancos, num negócio global em que investidores de quase toda parte podiam somar recursos para emprestar. A nova competição derrubou as taxas hipotecárias e incentivou a inovação, boa parte dela inegavelmente boa. Por que, afinal, alguém que sabe que vai se mudar dentro de poucos anos, não teria outra escolha senão fazer uma hipoteca de 30 anos com taxa fixa? Como acontece com freqüência com as inovações, porém, tudo que é demais, faz mal. Esses mesmos investidores globais, repletos de dinheiro do boom na Ásia e dos preços ascendentes do petróleo, exigiam bons retornos. Wall Street teve uma resposta: hipotecas subprime.

Como esses empréstimos vão para pessoas que esticam os prazos para poder pagar uma casa, eles vêm com taxas de juros mais altas - embora disfarçadas em taxas iniciais baixas - e retornos mais altos. Essas hipotecas eram em seguida fatiadas em pedaços e enfeixadas em investimentos.

Uma vez reunidas, tipos diferentes de hipotecas podiam ser vendidas a grupos diferentes de investidores. Estes procuraram engrossar ainda mais seus retornos com a alavancagem, a mais antiga estratégia da praça. Eles fizeram apostas de U$ 100 milhões com apenas U$ 1 milhão de dinheiro próprio e U$ 99 milhões em dívida. Se o valor do investimento aumentasse para apenas U$ 101 milhões, os investidores sairiam com o dobro do dinheiro investido.

Os compradores de casas fizeram a mesma coisa, pondo pouco dinheiro próprio nas casas novas, observa Mark Zandi do Economy.com da Moody’s. O Fed, então sob o comando de Alan Greenspan, ajudou a tornar tudo isso possível, baixando fortemente os juros para impedir uma dupla recessão depois do colapso do setor de tecnologia de 2000, e mantendo as taxas baixas por vários anos.

Todos esses investimentos eram altamente arriscados. Retornos mais altos quase sempre implicam riscos mais altos. Mas as pessoas - por “pessoas” estou me referindo aqui a Greenspan, Bernanke, os altos executivos de quase toda empresa de Wall Street e a maioria dos donos de casa americanos - decidiram que as regras habituais não se aplicavam porque os preços das casas nunca tinham caído antes em escala nacional. Baseados nessa idéia, os preços subiram ainda mais, ficaram tão altos, diz Robert Barbera da ITG, um companhia de investimento, que estavam destinados a cair. Era uma profecia que negava a si própria.

E isso explica, em grande parte, por que o problema hipotecário teve tantos efeitos propagadores. O mercado imobiliário americano parecia uma aposta tão segura que uma parte enorme do sistema financeiro global terminou com um pedaço dele. Em meados do ano passado, muitas autoridades econômicas achavam que a crise não se espalharia para bancos tradicionais, como o Citibank, porque eles tinham repassado as hipotecas pendentes a investidores. Mas o fato é que muitos bancos tinham vendido também apólices de seguro complexas junto com a dívida hipotecária. Isso os deixou pendurados quando os compradores que tinham tomado hipotecas na base da confiança não puderam mais sair delas revendendo sua casa com lucro.

Muitas dessas apostas não eram enormes. Mas, eram, com freqüência, tão alavancadas que muitos prejuízos foram ampliados. Se aquele mesmo investimento de U$ 100 milhões descrito acima perdesse apenas U$ 1 milhão de seu valor, o investidor que colocou apenas U$ 1 milhão teria perdido tudo. É por isso que um fundo hedge associado ao prestigioso Carlyle Group faliu na semana passada.

“Se qualquer coisa der errado, essas pedras de dominó caem muito rapidamente”, disse Charles R. Morris, um ex-banqueiro.

Essa combinação tóxica - a onipresença dos maus investimentos e seu potencial para proliferar - colocou Wall Street num estado de profundo conservadorismo. A solidez de toda companhia de investimento mora, em grande parte, na confiança de outras companhias de que ela tem ativos reais lastreando suas apostas. Assim, as empresas agora estão entesourando dinheiro em vez de emprestá-lo, até compreenderem a profundidade do crash imobiliário e o quanto estão expostas a ele.

Qualquer instituição que pareça ter um portfólio de alto risco, independentemente de ter ou não ativos suficientes para lastrear o portfólio, enfrenta o duplo golpe de investidores exigindo seu dinheiro de volta e emprestadores fechando a porta na sua cara. Adeus, Bear Stearns.

O conservadorismo foi tão longe que está afetando muitos potenciais tomadores sólidos, o que, por sua vez, está prejudicando a economia em geral e agravando os medos de Wall Street. Uma recessão poderá começar a causar danos também nos empréstimos para a compra de carros, empréstimos de cartões de crédito e hipotecas comerciais.

Muitos economistas argumentam agora que a única solução é o governo federal intervir e comprar parte da dívida indesejada, como o Fed começou a fazer no último fim de semana. Isso se chama salvamento, e não resta dúvida de que estender a mão a emprestadores de Wall Street ou compradores de casa irresponsáveis - ao contrário de, por exemplo, a trabalhadores fabris dispensados - é profundamente ofensivo. A essa altura, porém, a alternativa poderia ser pior.

Bolhas causam estouros. Estouros causam pânico. E pânico pode causar recessões econômicas prolongadas e profundas, razão porque o Fed vem tomando medidas sem precedentes para restaurar a confiança. “Você pergunta, caramba, como empréstimo hipotecário subprime pode atingir todo o sistema financeiro global?”.

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