Papéis invertidos
A ciência econômica diz que, em momentos de recessão, os países buscam avidamente o mercado externo para desaguar seus produtos que a demanda interna não é capaz de absorver e, assim, injetar dinamismo na atividade econômica. O Brasil já viveu essa experiência inúmeras vezes e sempre procurou, de preferência, mercados de países ricos que têm maior poder de compra. O inverso é que não tinha acontecido até agora. Mas, será que o Brasil, com sua economia fechada, tarifas de importação elevadas e apenas 1,5% de participação no comércio global, tem poder de ajudar a aliviar a crise nos países ricos? Em comércio não temos a mesma exuberância da China, nossa influência é minúscula, mas, somando esforços com outros países, é até possível amenizar um pouco a crise dos ricos. A questão é saber se nossa economia está madura e preparada o suficiente para suportar os efeitos decorrentes de déficits imprevistos em suas relações de trocas com outros países.
É certo que a dívida externa deixou de ser problema, mas, desde o final de 2007, o súbito enfraquecimento do saldo comercial e o resultado de outras contas externas levaram o País, pela primeira vez desde 2002, a buscar no exterior financiamento para suprir R$ 4,5 bilhões de sua demanda no ano passado, como revelou pesquisa do IBGE sobre o Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, o saldo da balança comercial de janeiro até a primeira semana de março de 2008 foi 70,4% menor do que o mesmo período de 2007. E em janeiro o BC apurou um déficit em transações correntes com o exterior de US$ 4,232 bilhões, o pior resultado desde outubro de 1998. São números circunstanciais e podem melhorar nos próximos meses. Mas se não há motivo para sustos no curto prazo, também não há segurança de situação estável e confortável a médio e longo prazos.
E o Brasil na crise? Em que medida seremos afetados se a recessão econômica por lá for mais longa do que se imagina e pressionar os EUA e a Europa a retraírem seus mercados e reduzirem acentuadamente suas importações? Nosso país já foi mais dependente do comércio com os EUA e a União Européia, mas, ainda hoje, 41% de tudo que exportamos vai para esses dois mercados. Portanto, mesmo que nosso crescimento econômico recente se sustente mais na expansão da demanda interna do que nas exportações, o impacto sobre a produção exportável e seus infortunados desdobramentos será inevitável. E já começa a ser sentido em setores industriais de vocação exportadora, como calçados, móveis e vestuário, onde a taxa de emprego medida pelo IBGE - que cresceu em quase todos os setores - caiu, respectivamente, 10,3%, 8,1% e 3,3% em janeiro último. Aliás, a exportação brasileira para os EUA vem perdendo força desde 2005, apresentando taxas de crescimento bem inferiores à média. Entre 2006 e 2007 o resultado foi pífio, com expansão de apenas 2,2%, muito abaixo da taxa global de 16,8% - muito diferente da nossa importação de produtos norte-americanos, que evoluiu 27,7%. É como se na relação comercial com o Brasil a economia dos EUA já estivesse em recessão.
Esse quadro do lado externo de nossa economia, com o real valorizado em relação ao dólar, reservas cambiais chegando a US$ 200 bilhões e saldo comercial em queda (há quem aposte que desabe para US$ 15 bilhões, menos da metade de 2007), levou o governo a baixar um pacote cambial na quarta-feira, que facilita a vida dos exportadores, mas não terá poder de reverter a queda do câmbio, garantem analistas. E é neste panorama confuso, contraditório, com importações aceleradas e exportações ameaçadas pela recessão nos EUA e na Europa, que dirigentes dos bancos centrais dos países ricos acham que o Brasil pode ajudar a atenuar suas crises. Será?