Câmbio e insensatez
Por estes dias, houve risco de algo mais grave, isto é, a eliminação da isenção do Imposto de Renda nas aplicações de investidores estrangeiros em títulos públicos. Felizmente, houve apenas o IOF de 1,5% sobre essas aplicações, pouco mais do que já se pagava de CPMF. Foi um mau sinal, mas menos danoso e sem efeito visível sobre o câmbio, ao contrário do que pensam os que pediram a medida.
Acontece que a medida burra esteve em cogitação. Jornalistas experientes foram informados pela Fazenda da intenção de eliminar a isenção do IR.
Mesmo que a insensatez não tenha prevalecido, analisemos as razões da isenção e as conseqüências de sua extinção.
O Brasil foi um dos últimos países a isentar do IR essas aplicações. O objetivo era evitar a bitributação (aqui e no exterior). É a mesma lógica de não cobrar impostos indiretos nas exportações, uma regra reconhecida por tratados internacionais. Por exemplo, um calçado brasileiro paga no exterior o mesmo imposto de consumo de um fabricado lá ou em outro país. Se houver incidência de tributos na exportação do produto, o negócio se tornará inviável. O País perderá.
Os que defendem o fim da isenção do IR vêem apenas o que consideram um problema: a valorização cambial. Desprezam os benefícios da nossa equiparação a países com os quais concorremos. Não percebem que os investidores em títulos públicos operam sob a perspectiva do longo prazo. Mais, crêem que o Brasil se tornou um país de regras estáveis e previsíveis.
A venda desses papéis a estrangeiros criou uma curva a termo que passou a balizar operações de longo prazo. O Tesouro pôde lançar títulos de 40 anos de prazo e de custo mais baixo. O perfil da dívida melhorou e a taxa de juros recuou de 9% para 6% ao ano. A credibilidade adquirida nas operações contribuiu para que o Tesouro (e depois bancos e empresas) vendessem no exterior títulos denominados em reais. Livramo-nos do chamado "pecado capital", isto é, a incapacidade que tem um país de lançar no exterior papéis denominados na sua própria moeda.
A experiência mostra que a participação de estrangeiros no financiamento da dívida pública contribui para a disciplina no governo. Eles e outros investidores reagem a mudanças inconseqüentes na política econômica. Cai a confiança, o que dispara uma seqüência de infortúnios: fuga de investidores, desvalorização cambial, inflação, aumento dos juros e queda do produto, da renda e do emprego. O custo social e eleitoral das medidas será maior do que seus supostos benefícios. Criam-se, dessa forma, incentivos para a gestão macroeconômica responsável.
O restabelecimento do Imposto de Renda sobre os rendimentos desses investidores seria uma quebra de regras. Um grande retrocesso. Mostraria instabilidade institucional em área estratégica. Perderia quem acreditou que possuíamos regras estáveis. O Tesouro levaria muito tempo para recuperar a credibilidade.
A medida contribuiria para piorar o perfil e o custo da dívida pública. Dificultaria a obtenção do grau de investimento, prestes a ser atribuído pelas agências classificadoras de risco. O País deixaria de se beneficiar dos efeitos positivos dessa classificação, entre os quais a queda da taxa de juros de papéis brasileiros, públicos e privados.
O irônico é que a medida seria adotada pelo mesmo governo que há apenas dois anos lutou pela aprovação da lei de isenção, cujas regras buscaram evitar que investidores brasileiros pudessem comprar esses papéis via paraísos fiscais.
Se o governo caísse no conto do vigário dos que olham apenas a desvalorização cambial, estaria também criando pressões inflacionárias. O Banco Central elevaria a taxa de juros, principalmente porque a economia já está muito aquecida.
Se adotasse a medida, o Presidente seria aplaudido por exportadores e pelos muitos que não entendem o valor do referido tratamento tributário, mas correria o risco de suas conseqüências indiretas, isto é, a perda de prestígio perante o eleitorado. Que Lula continue a evitar a insensatez.