Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 02, 2008

Suely Caldas

As ONGs laranjas

Impressiona a desfaçatez, a falta de zelo e o desprezo com que o governo do PT trata o dinheiro público manejado por ministros e altos funcionários. À famosa frase de Lula "assino um cheque em branco em favor de Roberto Jefferson" (o deputado que denunciou o mensalão e nunca explicou o destino de R$ 4 milhões ilegais que recebeu do PT), juntou-se agora outra da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para quem os repasses de dinheiro feitos pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, para ONGs de políticos de seu partido (o PDT), devem ser tratados "com menos fígado e mais racionalidade".

Traduzindo em miúdos, os aliados podem cometer deslizes éticos porque do governo sempre receberão tolerância, compreensão e carinho. Foi com tal generosidade que Lula batizou Lupi de "o mais republicano dos ministros", ao inocentá-lo, esquecendo que o dinheiro foi parar em mãos de políticos pedetistas que comandam as ONGs.

Pressionado por denúncias da imprensa (não da Controladoria-Geral da União, que deveria, mas só fiscaliza quando interessa), Lupi cancelou quatro convênios, através dos quais repassaria R$ 25,77 milhões para essas ONGs, com o suposto objetivo de qualificar jovens profissionais. Até um asilo de idosos recebeu dinheiro para treinar jovens. Antes disso, o ministro resistiu o quanto pôde, por vários dias se recusou a esclarecer as denúncias, como é obrigação de todo homem público que lida com dinheiro de impostos. E só concordou em atender à imprensa depois da interferência do presidente.

Segundo reconheceu Lupi, os quatro convênios continham irregularidades, mas ele manteve outros com entidades suspeitas investigadas pelo Ministério Público ou por Tribunais de Contas. Só o reconhecimento das irregularidades seria mais do que suficiente para o presidente da República acatar recomendação da Comissão de Ética de demitir Lupi caso ele continue se recusando a deixar a presidência do PDT. O favorecimento partidário na contemplação de dinheiro do Ministério do Trabalho é exuberante em mostrar a incompatibilidade de um ministro acumular os dois cargos. Por servir a todos os brasileiros como ministro, Lupi deveria pautar sua conduta por princípios de isenção, impessoalidade e imparcialidade. Se faz o oposto e usa o ministério para favorecer seu partido, ele não merece permanecer no cargo.

Mas o presidente Lula escolhe o lado errado, desautoriza a Comissão de Ética, passa a imagem de fraqueza e conivência com os atos do ministro e deixa correr solta a corrupção nas ONGs - o mais novo instrumento de desvio de dinheiro público encontrado pelos políticos. Ora, se a ONG Unitrabalho, de Jorge Lorenzetti, amigo e churrasqueiro de Lula, foi contemplada com R$ 15 milhões sem prestar serviço algum e nada aconteceu, é possível esperar alguma reação desse governo em relação ao ministro Lupi?

É extraordinária a criatividade dos políticos em buscar formas de se apropriar de dinheiro público, sobretudo se o período eleitoral se aproxima. Quando a privatização fechou a torneira dos bancos estaduais, eles alvejaram as empresas distribuidoras de energia elétrica. Também privatizadas, miraram o alvo das operações financeiras denominadas Antecipações de Receitas Orçamentárias (AROs). Com a proibição das AROs, recorreram a ONGs laranjas. E por aí vai. Se um ralo fecha, eles logo inventam um novo.

Segundo o ex-presidente da Comissão de Ética Marcílio Marques Moreira, "o que mais incomoda a comissão nem é tanto o fato concreto, mas a tendência da autoridade pública de justificá-lo com o argumento de que todo mundo faz, que alianças políticas são necessárias para garantir a governabilidade, que os fins justificam os meios". Argumentos que abrem crateras onde se instalam confortavelmente e sem medo políticos e homens públicos de péssima qualidade, os que querem se dar bem, enriquecer ilicitamente, tirar proveito do cargo e do poder de manejar com dinheiro público. A população é quem menos conta para eles.

E assim caminha a nossa débil democracia, navegando na turbulência e à deriva, conduzida por gente despreparada, para quem garantir liberdade e eleição basta, ignorando que democracia se constrói com instituições fortes e resistentes à interferência de maus governantes e com um Estado e seus agentes conscientes do dever de servir e proteger o cidadão. A guinada de voltar e seguir caminho contrário da desconstrução é possivelmente o pior legado do período Lula.

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