Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 02, 2008

Alberto Tamer

Petróleo em US$ 102, e EUA rejeitam nosso etanol

O petróleo chegou a US$102, desabou sobre a inflação, mas o governo americano insiste em não o substituir, pelo menos parcialmente, pelo etanol de cana; prefere o de milho, produzido no país, mesmo custando o dobro do preço. Quer auto-suficiência a qualquer custo. Só que está sendo um custo pesado em meio a uma economia fragilizada. Tudo leva a crer que, entre os árabes e o Brasil, ele prefere os árabes, que, certamente, lhe dão mais ''''segurança'''' de abastecimento e a ''''tranqüilidade'''' de um preço sempre ''''razoável''''...

SERIA BOM SE NÃO FOSSE RUIM

Os EUA até poderiam estar certos se o seu etanol de milho não custasse US$ 65 e o de cana apenas US$ 35 e se a economia não estivesse sendo atacada pela crise financeira.

Para igualar os preços ao nível mais alto e proteger os produtores, eles aplicam uma taxa de 56,5% nas importações brasileiras de álcool de cana e oferecem subsídios de mais de US$ 4 bilhões por ano. Mesmo assim, o preço não baixa.

Incrível, mas Bush tem mais medo do Brasil do que da Opep.

ETANOL NÃO É TUDO

O etanol substitui apenas um dos derivados do petróleo, jamais será uma alternativa para o petróleo, mas sabemos também que sua mistura em 20% da gasolina terá um peso significativo na redução dos preços da energia e da inflação. Mas o que está acontecendo é exatamente o contrário, pois o milho pressiona duplamente a inflação, ao roubar terras antes destinadas a culturas alimentares e, em conseqüência, reduzindo e encarecendo a produção; ao mesmo tempo, o etanol de milho, mais caro, é repassado para os preços. Conclusão óbvia, o etanol de milho é economicamente inviável e a única solução que os EUA têm, mas ainda não aceitam, para conter a inflação é o etanol de cana.

O CÍRCULO PERVERSO

Petróleo e etanol compõem um círculo perverso. O petróleo onera o cultivo (fertilizantes mais caros), a colheita, o transporte e a comercialização da safra; o milho, com grande parte de sua área destinada a produzir etanol, onera os custos da terra e das culturas de alimentos, como soja, sorgo, trigo. Como é base da alimentação animal, ele aumenta os preços de todas as carnes.

E está fechado o círculo: ao explosivo aumento dos preços do derivados de petróleo e alimentos soma-se a crescente e enorme demanda da China, da Índia e também do Brasil, que continuam crescendo. E os preços de todas as commodities agrícolas e energia explodem.

No Brasil, o ônus incide principalmente em fertilizantes e rações. Mas afeta muito a criação de aves e os preços de carne e ovos, que pesam no índice de inflação. Certo, produzimos aqui, sim, mas os preços internacionais nos afetam aqui, pois fluem em mercados interligados.

BERNANKE CONDENA

Tudo isso foi reconhecido, nesta semana, pelo presidente do banco central americano, Ben Bernanke, ao depor em comissão da Câmara dos Deputados. Ele foi categórico e claro: condena a taxa de 56,5% imposta à importação de etanol brasileiro, porque ajuda a pressionar a inflação, seu mais novo desafio.

''''Apoio o livre mercado... Permitir a importação de etanol brasileiro (sem taxa, quis dizer) iria reduzir os custos para os EUA'''', Bernanke declarou, textualmente. Ele ainda espera que os preços do petróleo e dos alimentos recuem com a desaceleração da economia mundial.

O PROBLEMA É DELES!

Sei, sei, o problema, vocês vão dizer, é deles, que se danem. Nós não estamos nem aí! Será? Foi exatamente isso que eu disse, na coluna de 8 de julho de 2007. Só que, naquele momento, a crise financeira gerada nos EUA não estava ainda ameaçando a economia mundial; discutia-se mesmo se haveria crise ou não e o próprio Fed a negava várias vezes em suas atas. É verdade que a economia já vinha desacelerando, após seis anos de vigor, mas, afinal, em 2007 o PIB ainda aumentou em 2,2%.

Agora, não podemos simplesmente deixá-los se danar, porque o furacão que criaram já atingiu a Europa, e seus ventos precursores avançam pelo Pacífico, em busca da Ásia.

SE CHEGAREM NA CHINA...

Aí, tudo se complica.

Cerca de 20% das exportações chinesas vão para os EUA; o banco central chinês informou, no dia 15 de novembro passado, que uma redução de 1% nas vendas para o mercado americano representa uma queda de 6% nas exportações chinesas, base do seu crescimento econômico, que hoje sustenta o mundo.

Seu segundo mercado é a Europa, que também declina.

E, se a China crescer menos de 10% neste ano, o comércio mundial recuará mais. Na verdade, já está recuando.

Haverá perda que, sem dúvida, poderemos absorver, mas vão conter a excelente performance da economia nacional. Afinal, poucos previam que iríamos viver o que o mundo está hoje vivendo.

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