Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 09, 2008

Suely Caldas Coaf no mensalão e no PCC


Em 3 de julho de 2005 publiquei texto neste espaço denunciando o silêncio e a omissão do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) diante da intensa movimentação bancária de uma centena de saques em dinheiro efetuados pelas empresas de Marcos Valério, entre julho de 2003 e maio de 2005, de valores entre R$ 100 mil e R$ 400 mil. Valério sacou quase R$ 21 milhões em dinheiro vivo, transportado em malas até Brasília para subornar deputados com o chamado mensalão. Na época, procurei o Ministério da Fazenda, ao qual o Coaf é subordinado, para explicar por que o Conselho calou e não enviou as informações sobre os saques para o Ministério Público (MP) investigar, como a lei o obriga. O Coaf e a Fazenda emudeceram e se negaram a dar explicações.

Ao comemorar 10 anos de existência na última segunda-feira, o Coaf divulgou relatório onde revela ter rastreado 686 contas bancárias de 748 pessoas ligadas à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), e que movimentaram R$ 63 milhões, entre novembro de 2005 e julho de 2007. E o que fez o Coaf dessa vez? Enviou as informações para a Polícia e o Ministério Público, e a Justiça bloqueou R$ 17,7 milhões dos criminosos. O Coaf mostrou que, quando quer (ou a autoridade pública permite), é competente, sabe como enfrentar bandidos. O estrangulamento financeiro das lideranças da facção certamente contribuiu para o recuo das ações criminosas do PCC. Ponto para o Coaf.

Por que não fez o mesmo com as empresas de Marcos Valério? - indaguei o presidente do Coaf, o advogado Antonio Gustavo Rodrigues, que, desta vez, passados mais de dois anos, concordou em falar. Ele não explica a omissão diante da abundância de saques de Valério, mas nega ter sofrido pressão política. “Eu me senti usado, não sei por quem. Em quatro anos na direção do Coaf nunca sofri pressão política de algum superior, a não ser a interferência do chefe de gabinete do ministro no caso do caseiro”, conta, sem detalhar de que forma se sentiu usado, e revelando o episódio que ficou público nas investigações sobre a invasão da conta bancária do caseiro Francenildo dos Santos Costa.

Rodrigues argumenta que, em outubro de 2003, informou ao Ministério Público de São Paulo movimentações suspeitas da empresa de Valério SMP&B e, como não teve retorno, concluiu não haver interesse na investigação. “Desde então passamos a acumular informações”, tenta explicar. Ele se defende afirmando que o Coaf possui um quadro limitado de analistas para um volume grande de informações e que sua equipe ainda está aprendendo: “O mensalão foi um aprendizado para nós.”

“O que acho injusto é atribuir toda a responsabilidade ao Coaf, esquecendo que a Controladoria-Geral da União (CGU) deveria ter identificado contratos suspeitos e o MP de São Paulo nada fez com nossas informações” - denuncia.

É débil a defesa do presidente do Coaf. Ele fez uma única notificação ao MP paulista em 2003, não fez nenhuma ao MP de Minas Gerais, de onde saiu a maior parte do dinheiro do Banco Rural em Belo Horizonte, e ficou dois anos inteiros sentado sobre as informações dos saques, sem repassá-las para a Polícia e o MP investigarem. O que - esclareça-se - é sua obrigação por lei, independentemente se o MP se interesse ou não em desvendar os fatos. Além disso, o envolvimento das empresas de Valério foi tornado público em maio de 2005 e, no início de julho, o Coaf ainda não havia notificado o MP de Minas. Portanto, continuou calado. Não agiu com a rapidez e a eficiência que mostrou ser capaz no caso PCC.

Em conversa com a ex-deputada Denise Frossard (PPS-RJ) na época, o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, reconheceu haver problemas no Coaf, mas garantiu que trabalhava para corrigi-los. Na avaliação de Antonio Gustavo Rodrigues, a crítica do ex-ministro escondia, na verdade, seu desejo de ver o Coaf transferido da Fazenda para o Ministério da Justiça. “Não há os problemas alegados (por Thomaz Bastos), o que há é falta de pessoal para o volume de trabalho”, reclama Rodrigues.

O comportamento do Coaf no episódio do mensalão reflete o dilema do enfraquecimento das instituições públicas no Brasil quando se trata de investigar quem tem poder nos governos. Seja por influência direta da autoridade, seja pela açodada subserviência do funcionário ao chefe, o fato é que a democracia se debilita com instituições fracas, submissas, sem independência.

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