O Estado de S. Paulo |
20/3/2008 |
Perguntem ao presidente Lula qual o regime político brasileiro. A resposta incluirá, provavelmente, a palavra democracia. Se alguém pressionar, talvez apareça um adjetivo: é uma democracia representativa. Se tiver de explicar como se governa o Brasil, poderá mencionar o presidencialismo e a divisão de Poderes. Se a conversa continuar, em algum momento aparecerá um detalhe precioso: o Judiciário deve julgar e o Legislativo deve legislar, mas é “humanamente impossível” governar sem medida provisória (MP). A afirmação foi feita em Campo Grande, na terça-feira, no lançamento de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “O tempo e a agilidade que as coisas precisam acontecer muitas vezes é mais rápido do que o tempo das discussões democráticas que são necessárias acontecerem no Congresso”, argumentou o presidente. A linguagem não surpreende, mas há algo estranho no encadeamento das idéias. Se as “discussões democráticas” são necessárias, como justificar decisões e ações de governo independentes das deliberações do Congresso? Ou os debates não são necessários, ou o processo democrático é incompatível com as necessidades do País, ou falta algum detalhe para dar sentido à fala do presidente. Os constituintes de 1988 cuidaram do assunto com maior clareza e com maior cautela política. Permitiram ao presidente o recurso à medida provisória apenas “em caso de relevância e urgência”. A Constituição veda expressamente a edição de MPs sobre matéria relativa a “planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares”. Há uma ressalva quanto à abertura de crédito extraordinário para atender a “despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública”. As MPs, no entanto, há muito tempo ultrapassaram esses limites. A distorção não foi criada pelo presidente Lula, mas foi mantida entusiasticamente em sua administração. É muito mais fácil governar por meio desse expediente - e o Congresso, é preciso reconhecer, contribuiu para a manutenção do vício. A MP do real, editada em 1994, só foi aprovada depois de vários anos. Durante esse tempo, o governo implantou uma reforma econômica de enorme importância e a moeda usada pelos brasileiros circulou sem aprovação do Parlamento. O presidente Lula disse uma verdade, ao mencionar o descompasso entre o tempo dos congressistas e a urgência das decisões necessárias ao desenvolvimento do Brasil. Extrapolou, no entanto, ao defender o uso das MPs como indispensável ao governo do Brasil. Ele se referiu, certamente, ao uso costumeiro desse expediente, não àquele previsto na Constituição. Se esse fosse o caso, não haveria conflito. A atitude do presidente é compreensível, mas não justificável. No Brasil, há uma democracia com regras constitucionais e uma democracia de fato, cheia de remendos. A primeira é em grande parte uma encenação. A segunda é o regime do quebra-galho, cômodo para o Executivo e também para o Legislativo, mas inadequado a uma república digna desse nome. O regime do quebra-galho funciona, por exemplo, quando o Legislativo deixa de aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no primeiro semestre e, apesar disso, o Executivo prepara o projeto do Orçamento-Geral da União. Funciona quando o orçamento, apesar de aprovado, não é levado a sério pelo Tesouro, porque a arrecadação - todos sabem - foi reestimada pelos parlamentares para acomodar suas emendas. Um novo quebra-galho pode vir por aí, se o Executivo conseguir, na próxima LDO, incluir uma autorização especial para a continuação de obras, em 2009, no caso de se atrasar de novo a aprovação da lei orçamentária. A própria Constituição favorece, de certa forma, o regime do quebra-galho. Se o Congresso não faz a reforma política, o Judiciário define uma regra para limitar o troca-troca partidário. Algum político pode espernear e reclamar de uma suposta ingerência, mas, na prática, o sistema é confortável e dispensa um esforço maior para o cumprimento das obrigações. Se não fosse, não teria durado tanto tempo. Só se começou a discutir mais seriamente o abuso das MPs quando se agravou o problema do trancamento da pauta legislativa. Mas o próprio Congresso poderia enfrentar o problema, se usasse a prerrogativa constitucional de simplesmente devolver as MPs fora de esquadro. Se não o faz, por desleixo ou para evitar conflito, é cúmplice do abuso e contribui para manter o regime da encenação e do quebra-galho. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, março 20, 2008
Rolf Kuntz Democracia, encenação e quebra-galho
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