Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 06, 2008

Míriam Leitão - Sombras da crise



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
6/3/2008

O pior passou; ainda que a situação não esteja completamente resolvida entre os nossos vizinhos. No episódio, a região mostrou sua instabilidade; Hugo Chávez, sua beligerância; Álvaro Uribe, sua ligação com os Estados Unidos; o Equador, sua dependência em relação à Venezuela. O melhor do sucedido foi isolar Hugo Chávez, cuja movimentação extravagante não foi levada em consideração.

O acordo provisório fechado ontem deixou registrado que o problema era bilateral. Chávez ficou falando sozinho. Mas, ao mesmo tempo, viu-se que o nível de tensão é muito alto entre vizinhos do Brasil. Há outros pontos tensos na região, com maior ou menor perigo. O que se vislumbrou com esta crise assustou.

- Não podemos importar problemáticas que não são nossas - disse-me ontem à noite o embaixador brasileiro na OEA, Osmar Chohfi, ao final de dias de muita tensão, com um grande alívio no desfecho.

O presidente Alvaro Uribe, com muita rapidez, identificou-se com o que há de mais agressivo no \"bushismo\". Para justificar o que fez, invocou uma resolução da ONU votada no calor do 11 de Setembro. A resolução 1.376, de 28 de setembro de 2001, obriga os Estados a não permitirem que os seus territórios sejam usados para ações terroristas. Não devem fazê-lo mesmo; a resolução neste ponto está certa. Mas a interpretação de que isso justificaria um ataque ao território equatoriano, a idéia da \"ação preventiva\", mostra uma preocupante identidade com a ideologia Bush.

Conversei ontem com o ex-chanceler colombiano Guillermo Soto, membro da Comissão Jurídica da OEA. Ele não é funcionário do governo colombiano, mas defendeu a ação de Uribe como sendo uma forma de reagir à agressão:

- Os países membros da ONU têm a obrigação de respeitar a resolução que os proíbe de deixar que os terroristas usem seu território.

O presidente equatoriano, Rafael Correa, com razão, disse que isso, entendido ao pé da letra, poderia justificar a Colômbia invadir qualquer país da fronteira. Por outro lado, ele foi poupado. Não foi cobrada de Rafael Correa a presença dos terroristas no território equatoriano sem serem importunados; pelo contrário, um dos e-mails de Raúl Reyes divulgado pelo governo colombiano mostra que Correa prometia garantia de vida para um emissário das Farc ir a Quito conversar com ele. Entre os temas, \"as fronteiras bilaterais\".

O embaixador brasileiro na OEA explica que a resolução aprovada ontem, com o apoio, inclusive, da Colômbia, diz que as Farc estavam \"clandestinamente\" em terras equatorianas e reconhece que houve uma violação da soberania e da integridade territorial do Equador.

Quando falou em nome do Brasil, Osmar Chohfi lembrou a Declaração de San Carlos, de 2006, que trata exatamente do combate ao terrorismo.

- Ela estabelece a necessidade de cooperação no combate ao terrorismo, mas com respeito à integridade territorial dos países - lembra ele.

Há uma diferença de tom e de enfoque entre a resolução da ONU, invocada pela Colômbia num primeiro momento, e os princípios seguidos pela OEA.

O professor colombiano Felipe Botero, do Departamento de Ciência Política da Universidad de los Andes, disse à Débora Thomé que o povo colombiano quer, sim, que se combata o terrorismo, mas admitiu que o episódio foi uma lição para Uribe:

- Acredito que este tenha sido um incidente muito mal calculado, porque, na minha opinião, o presidente Alvaro Uribe não dimensionou que Chávez teria esta reação, que iria mover o exército até a fronteira. Há um outro problema: Raúl Reyes era quem estava negociando a libertação dos reféns, era com ele que muitos negociavam; o governo francês, por exemplo. Não se sabe se justamente por isso ele foi localizado, ou seja, ninguém sabe como vão ficar essas negociações daqui para frente.

Uribe ficou sozinho. Ou melhor, teve o apoio dos Estados Unidos, o que explicitou ainda mais a natureza da ligação entre os dois países. Nenhum país da região ficou do seu lado. E a França protestou porque acha que ficou mais difícil resgatar a senadora Ingrid Betancourt. A resolução da OEA não leva em consideração nenhum dos pontos levantados pela Colômbia. O país teve que pedir desculpas duas vezes e aceitar os termos do texto de ontem da OEA.

Na opinião do embaixador Osmar Chohfi, a crise não acabou, mas a tensão diminuiu fortemente. Agora a comissão escolhida pelo secretário-geral visitará os locais selecionados pelos dois países e fará um relatório para a reunião dos chanceleres.

- Neste momento, acho que temos é que ter moderação, prudência e fazer esforços para criar um ambiente de aproximação entre os dois vizinhos. Eles têm uma relação intensa, têm que restabelecer essas relações, reconhecida a gravidade do episódio - afirma Chohfi.

Há muitos conflitos e tensões entre os vizinhos. Para o Brasil, a preocupação é que a influência de Chávez se amplie. Uma fonte do governo brasileiro admite que o pior cenário é ter um governo no Paraguai simpático ao sempre problemático Hugo Chávez.

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