Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 06, 2008

Merval Pereira - Erro de cálculo




O Globo
6/3/2008

Não há dúvidas de que a crise em que se envolveram Colômbia e Equador tem origem num erro de cálculo do presidente Hugo Chávez, que se empenha desde o fim do ano passado em desmoralizar o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, tentando emparedá-lo nas negociações com a narcoguerrilha colombiana para liberação de reféns. A negociação de Chávez e do presidente do Equador, Rafael Correa, com as Farc transformou Uribe em platéia de ações que se desenrolavam em seu próprio país.

Os dois tentaram isolar Uribe, mas, na opinião do professor de história contemporânea da UFRJ Francisco Carlos Teixeira, fizeram uma avaliação política totalmente errada, pois consideraram que ele não teria opções. \"Não calcularam que o Uribe reagiria como reage Israel. Como sempre, o Chávez errou na avaliação política. Em vez de se submeter às condições das Farc e de Chávez, Uribe partiu para o ataque\".

Para Francisco Carlos, a interrupção das negociações pode levar à morte a senadora Ingrid Bettancourt, o que seria uma tragédia para a guerrilha, \"mas, depois desse ataque, a conta pode ficar pendurada no Uribe\". Isso porque o governo equatoriano estava negociando a pedido da França, e era a alta direção das Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (Farc) que estava naquele acampamento bombardeado.

O fato de governos da região se oferecerem como negociadores diretos com a guerrilha, dando aos narcoguerrilheiros permissão para utilizarem seus territórios, é uma atitude de quem quer isolar e constranger o governo que foi eleito e reeleito com a bandeira de combater a narcoguerrilha.

O governo francês, na ânsia de conseguir liberar Ingrid Bettancourt, aceitou essa intermediação e colabora para o isolamento do governo colombiano, o que favorece as Farc.

Acho que os governos democráticos não deveriam se submeter a essa chantagem explícita da guerrilha, que é endossada pelo presidente do Equador, Rafael Correa, e por Hugo Chávez.

Afirmar que a libertação de Ingrid Bettancourt pode se inviabilizar pela ação armada da Colômbia é aceitar que os narcoguerrilheiros ditem as regras do jogo. Seria preciso que governos como o da França advertissem os guerrilheiros das Farc de que não aceitarão essa desculpa para uma eventual morte da ex-senadora francesa.

Se é verdade que ela está precisando de socorros médicos urgentes, a guerrilha tem que liberá-la. É natural que sua família esteja abalada a ponto de se agarrar à negociação de Correa e Chávez, mas governos democráticos não podem ficar encurralados por um bando de criminosos comuns, que seqüestram, torturam e matam.

O professor Nelson Franco Jobim, consultor de relações internacionais, ressalta que Álvaro Uribe elegeu-se em primeiro turno em 2002 com um mandato para enfrentar militarmente a guerrilha, depois do fracasso das negociações dos presidentes anteriores, Ernesto Samper e Andrés Pastrana.

\"A estratégia de Uribe é negar legitimidade à guerrilha e enfraquecê-la para só negociar com ela quando estivesse muito debilitada. Chávez deu novo fôlego às Farc. Desde o ano passado, quando começou a negociar a libertação de reféns, ficou evidente que estava mais próximo da guerrilha do que do governo democrático de Bogotá\".

Para Franco Jobim, Chávez é o grande complicador da crise e gostaria de transformar as Farc num partido político bolivarista. \"Ele quer tirar partido para tocar seu projeto pessoal, num momento de crise de desabastecimento interno na Venezuela e depois de derrota no plebiscito\".

Francisco Carlos Teixeira acha que a \"grande tragédia da América do Sul\" é que a prática política de Uribe \"é tão pouco democrática quanto a de Chávez\", lembrando seu estilo personalista e a tentação de criar condições de concorrer a um terceiro mandato.

Para ele, a disputa entre Chávez e Uribe \"cria um clima insuportável na região\", e aceitar a violação territorial de um país, seja qual for o motivo, criaria uma insegurança política no continente. Na sua análise, \"há muito tempo o Itamaraty não agia com tamanha dureza em casos semelhantes\", referindo-se à condenação da violação territorial do Equador pela Colômbia.

\"Na verdade, o que o Brasil está fazendo é mandando um recado para os Estados Unidos, a mão por trás da ação militar colombiana. A idéia central é que os Estados Unidos não podem decidir uma guerra nas nossas fronteiras\", diz ele, para quem há duas vertentes no governo brasileiro: no interior das Forças Armadas, há o convencimento absoluto de que os Estados Unidos participaram da ação, \"e o medo é que possa haver daqui por diante uma Colômbia parecida com Israel, que se sinta em condições de atacar onde quer na hora que quer\".

Por isso, a condenação da Colômbia tão dura que mostre que ela ficará isolada. Para o professor Nelson Franco Jobim, o fato de a Colômbia ter usado os helicópteros Black Hawks, comprados com dinheiro do Plano Colômbia, não significa \"ingerência americana na região\".

A nota da Organização dos Estados Americanos, condenando a invasão territorial, mas não a ação militar da Colômbia, demonstra que o caminho escolhido para solucionar a crise passa pela reafirmação de princípios que são respeitados na região secularmente, diz Francisco Carlos Teixeira:

\"O importante é denunciar que foram violadas práticas sul-americanas de dois séculos, de não intervenção, não atacar o território alheio\". A posição brasileira, de ignorar a Venezuela como parte do conflito, também ajuda a dar a ele uma dimensão menos passiona

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