Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 12, 2008

Míriam Leitão - Desaba & decola




O Globo
12/3/2008

O dólar passou a ser uma dor de cabeça mundial. O que fazer para deter sua queda? Alguns países que usaram mecanismos artificiais para segurá-lo, como China e Vietnã, estão preparando o desembarque das medidas de controle que, até agora, impediram sua queda. Aqui no Brasil, onde ele se desfaz, o governo quer evitar a perda de valor. Para que serve uma moeda de referência da qual todos querem fugir?

A China vai usar a flexibilização do controle da taxa de câmbio, deixando o dólar cair mais, como técnica para enfrentar a inflação, que chegou a 8,7% em fevereiro em relação ao mesmo mês do ano passado; o pior número em onze anos. A China é um dos poucos países do mundo que têm evitado a queda forte do dólar através do controle da taxa de câmbio, mas este ano o yuan já se apreciou 3% em relação à moeda americana. O Vietnã acaba de flexibilizar um rígido sistema de controle, deixando sua moeda subir. Isso tem sido usado como técnica antiinflação.

Desde o começo de 2007, o real se valorizou 19% em relação ao dólar. Mas não só ele: a lira turca teve a mesma valorização; o peso chileno subiu 13%; o iene, 9%; e o euro, 12%. No entanto, quando comparado com uma cesta de moedas, o real teve apenas uma pequena valorização. De qualquer forma, não se pode esquecer que foi o dólar baixo que ajudou o país a segurar a inflação nestes últimos tempos.

- Com a alta das commodities, todos os países do mundo estão com inflação acima de sua meta, um dos poucos que estão na meta é o Brasil. O país já vinha de épocas com inflação baixa - comenta o economista José Marcio Camargo, da Tendências Consultoria.

Ontem, diante de um excelente dia nas bolsas americanas - o melhor dos últimos anos -, o dólar voltou a cair por aqui, chegando aos R$1,68.

O economista José Alfredo Lamy, da Cenário Investimentos, acha que hoje há um descompasso entre as moedas, porque tanto os Estados Unidos quanto a Europa estão sofrendo os efeitos da crise das subprime, porém o dólar é que está perdendo valor diante do euro.

- A recessão americana vai transbordar para a Europa e certamente o euro vai sofrer também. Neste momento, o que está acontecendo é o resultado do diferencial de juros entre Estados Unidos e Europa. O Fed tem sido muito agressivo no corte dos juros; tão agressivo que assusta. Ao longo do tempo, o euro vai perder valor também, e o dólar se recuperar um pouco - acredita Lamy.

O economista acha que as commodities, que têm subido tão fortemente este ano, tendem a cair e que a moeda brasileira também vai perder um pouco do valor em decorrência da deterioração forte da balança comercial e do balanço de pagamentos.

Segundo José Marcio Camargo, a menos que o governo decidisse por um câmbio fixo, o real não tinha outro caminho que não o de se valorizar com tamanho superávit recente na balança comercial. Contudo ele acredita que o cenário agora é diferente.

- Se pegarmos os últimos três meses e ampliarmos para o ano, isso daria um superávit ao fim de 2008 entre US$10 bilhões e US$15 bilhões. O real começaria a se desvalorizar diante do dólar. A questão é que, com a desvalorização da moeda, o Banco Central teria que aumentar os juros para conter a inflação - diz José Marcio.

Lamy pensa que as medidas que, segundo o jornal "Valor", o governo estaria pensando em tomar, como acabar com o incentivo de 15% sobre aplicação de capital estrangeiro em renda fixa, podem ajudar no processo de queda do real, mas ele acredita que a valorização do dólar será natural, gradativa ao longo do ano. Lamy acha que, em 2008, o Brasil terá que subir juros.

Por ora, de qualquer forma, a sensação que ainda se tem é de que duas coisas no mundo hoje não conhecem fronteira: o dólar para baixo e o petróleo para cima. Um desaba, o outro decola. A curtíssimo prazo, parece haver poucos sinais de grande mudança de rumo para um e para outro.

No caso do petróleo, a idéia que tem se repetido é que, como está acontecendo com outras commodities, ele sobe muito devido à especulação no mercado de contratos futuros. O professor Helder Queiroz, da UFRJ, levanta uma outra questão - no plano físico, e não financeiro - que pode estar ajudando nesta alta. Ele conta que, nos últimos anos, oferta e demanda têm crescido de forma equilibrada, em torno dos 1,7%. Porém o que tem aumentado bem são as importações internacionais, que subiram 3,57% por ano, em média, muito por causa do aumento na demanda de China e Índia. O incremento do comércio ajuda a jogar os preços para cima.

- Há também o choque de custo nos serviços e máquinas. Até pouco tempo, o aluguel de uma sonda estava em US$70.000; hoje está em US$500.000, quando se consegue.

O professor diz que, com isso, existem 27 plataformas esperando equipamentos para conseguirem iniciar sua produção. Só algumas devem começar a funcionar em 2008.

- Ainda vamos continuar assistindo a recordes este ano - afirma.

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