O Estado de S. Paulo |
12/3/2008 |
A cobrança pela rápida aprovação do Orçamento da União, feita pelo presidente Luiz Inácio da Silva em seu programa de rádio na manhã de segunda-feira, ensejou um fato político inédito nesse ambiente de Executivo imperativo e Legislativo submisso. Lula fez o de sempre. Simplificou as coisas, transferindo a responsabilidade do atraso na aprovação do Orçamento ao Congresso, e ainda produziu a regulamentar frase de efeito: “Não posso acreditar que só eu queira trabalhar e eles, não.” O inesperado deu-se na reação dos presidentes do Senado, Garibaldi Alves, e da Câmara, Arlindo Chinaglia. Ambos identificaram e repeliram a tentativa de Lula de faturar politicamente em cima do Legislativo, que fornece milhões de razões para ser o suspeito de sempre, mas, desta vez, não é o único culpado. O senador Garibaldi alertou para a ausência de efeito prático nesse tipo de discurso e ponderou que o presidente da República contribuiria mais para a solução se mobilizasse sua base para construir um acordo ou para produzir uma vitória, já que tem a maioria dos votos. O deputado Chinaglia, ato conjunto, lembrou que o Orçamento não foi votado a seu tempo, no fim do ano passado, exatamente porque o Congresso ficou paralisado por conta do interesse do Executivo na prorrogação da CPMF. Vale acrescentar: perdida mais por causa do desacerto de origem dos aliados, apontado pelo presidente do Senado, do que propriamente pelos acertos da oposição - construídos sobre as ruínas da desorganização governista. Aliados políticos do presidente, os presidentes da Câmara e do Senado não se posicionaram ao confronto, mas fizeram um gesto que sinaliza estresse no comando do Legislativo com a vocação imperativa do Executivo. Pode ser apenas uma coincidência, mas ontem o governo amanheceu diferente. Os ministros baixaram o tom das cobranças e as ameaças de enviar ao Parlamento “uma enxurrada” de medidas provisórias se o Orçamento não for votado nesta semana, deram lugar à disposição ao diálogo. Junte-se ao freio de arrumação imposto à fala presidencial o movimento dos presidentes das duas Casas do Congresso em prol da mudança na sistemática de edição de medidas provisórias e poderemos observar o esboço da tensão e do esgotamento no modelo das relações entre Executivo e Legislativo. Garibaldi e Chinaglia incentivam a tramitação de emenda constitucional para, senão restringir o poder do presidente de editar, pelo menos mudar o curso das MPs de modo a que não interditem a pauta do Parlamento. Formada a comissão especial para examinar a proposta, o governo de imediato apresentou uma contraproposta, piorando o que já é ruim: aumenta para um ano o prazo de validade das medidas provisórias. A sugestão, óbvio, não foi apresentada para ser aceita. Tem o intuito exclusivo de explicitar à base aliada o quanto o Executivo vê com desapreço a movimentação dos presidentes da Câmara e do Senado. Ou seja, não quer conversa sobre mudanças nas medidas provisórias. Não aceita negociar limitações nem reconhece a necessidade de dar ao Legislativo algum espaço para respirar, ainda que a reclamada independência resulte na explicitação dos defeitos do processo de decisão do próprio Parlamento. Essa intransigência e apego ao molde do troca-troca varejista de um lado garante ao governo uma estupenda maioria numérica, mas, de outro, não assegura o funcionamento dessa mesma maioria. Isso só se consegue com articulação das forças mediante um roteiro de ações organizadas, com pontos de partida e chegada previamente delineados. Da maneira como funciona hoje a atividade legislativa - referida na obtenção de favores do Executivo, na conquista de um pedaço do Orçamento por meio de emendas e na transformação de projetos de lei em “contrabandos” anexados às medidas provisórias que chegam do Planalto -, reina a improvisação. E aí surpreende a irritação do presidente Lula quando cobra eficácia de sua base e se diz “cansado de ter maioria e não exercer essa maioria”. O cansaço não se justifica porque nesses mais de cinco anos de governo o presidente não dedicou 15 minutos de trabalho à execução de um plano de atuação estratégica no Congresso. Faz discursos exibindo sua capacidade de identificação popular, distribui cargos, monologa nas reuniões de conselheiros políticos homologadores de suas vontades e, quando a coisa aperta, tenta obter obediência pela via da intimidação política. Dá certo para brilhar nas pesquisas, mas não basta para resolver questões objetivas, como o Orçamento. Estas dependem da vontade da maioria de pôr sua força em movimento, motivada pela ação política. Foi a respeito disso que Garibaldi e Chinaglia falaram quando, na segunda-feira, pela primeira vez se manifestaram impondo limites de contexto a um discurso de Lula que até então nunca havia sido contestado, a não ser pela oposição ou por governistas no exercício explícito do oportunismo fisiológico. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, março 12, 2008
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