Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 15, 2008

Miriam Leitão

Itararé latino


O conflito na América do Sul desapareceu tão rápido quanto começou. O que parecia ser o mais sólido choque em anos entre os países andinos desmanchou-se no ar. Mas não tão rápido que não deixasse sua lista de vitoriosos e derrotados. O presidente Hugo Chávez foi o que primeiro radicalizou e o primeiro a recuar. Suas chances eram mínimas. O Brasil perdeu uma grande oportunidade diplomática.

Li, em várias análises, que o presidente Lula se fortaleceu no episódio. Não atino a razão da conclusão. O embaixador brasileiro na OEA fez corretamente seu papel, o Brasil teve as conversas de praxe sobre a necessidade de paz na região, mas o presidente Lula perdeu por W.O., ao não ir à reunião de cúpula do Grupo do Rio. Perdeu a chance de ter qualquer papel na discussão no momento decisivo.

O Itamaraty orientou mal o presidente sobre a importância da reunião. O presidente Lula foi o mais ilustre dos ausentes. Deveria ter estado presente, evidentemente.

Além dessa ausência notável, o país não foi equilibrado no momento certo.

As primeiras declarações só criticavam a Colômbia.

Só agora, pressionado no Congresso, o ministro Celso Amorim criticou as Farc, que ainda não considera grupo terrorista. Na crise, o Brasil fingiu não ver uma questão incontornável: o que faziam as Farc em território equatoriano? Ao aceitar como boas as desculpas de Rafael Correa de que as Farc podem entrar sem serem vistas em qualquer território, o Itamaraty entra em contradição com o Exército: os generais brasileiros garantem que, no Brasil, elas não vão entrar porque serão vistas imediatamente.

No Equador, tiveram tempo até de instalar TV de plasma.

Para quem quer uma posição de liderança e uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, a atuação do Brasil foi fraca, parcial, hesitante. Apesar de condenar apenas a Colômbia, o Brasil não pareceu um mediador confiável para o Equador, tanto que o país que teve seu território invadido preferiu levar o assunto para a OEA.

A imprensa controlada por Chávez sustenta que ele foi o grande vencedor dessa disputa. Assim é se lhe parece.

Um dos fatos curiosos dessa guerra andina de Itararé é por que o país que mais rapidamente rufou seus tambores de guerra foi o primeiro a silenciar. O presidente Hugo Chávez usou o palavreado desqualificado ao se referir ao presidente constitucional da Colômbia, disse que estava rompendo relações, mandando tropas à fronteira, e interrompendo o comércio. Não fez nada disso. Na reunião da OEA, seu representante pouco falou. Na cúpula do Grupo do Rio, o presidente da Venezuela entoou um canto patético e fez as pazes.

Anteontem, conversou com Uribe por telefone. Ambos os presidentes tentam restabelecer relações cordiais entre seus países, que dependem um do outro.

Reportagem da revista “Newsweek” compara os dois em vários campos e mostra como Chávez está apanhando de Uribe. Os dois foram reeleitos com alta aprovação em 2006, e os dois países estão com crescimento econômico, mas a situação de Chávez é bem pior que a de Uribe.

A Venezuela desperdiça a vantagem do maior preço de petróleo da História. Está com inflação de 25%, com desabastecimento de itens básicos, como leite, gás de cozinha e farinha, e tem saída líquida de capital estrangeiro, com redução do investimento.

Uma das razões é que Chávez ameaça estatizar ou encampar qualquer companhia de qualquer setor no qual ele tenha algum aborrecimento. As taxas de criminalidade subiram no país, e a popularidade de Chávez está abaixo de 40%.

A Colômbia importa petróleo e poderia estar tendo dificuldade por isso, mas está com um crescimento forte, baseado na exportação de manufaturados. A entrada de capital estrangeiro triplicou desde 2002.

A pobreza e o desemprego estão caindo, e a popularidade de Uribe está acima dos 80% graças, em grande parte, à sua luta contra as Farc. As taxas de homicídios caíram 40%, e os ataques do terrorismo diminuíram em 77%.

Se a disputa for qualidade do crescimento, normalidade econômica, criminalidade e aprovação popular dentro do país, Hugo Chávez perde feio. Poderia perder também caso fosse à guerra, porque o Exército colombiano é mais bem treinado.

O presidente venezuelano se encolheu por todos esses motivos e não por ter tido um ataque de bom senso.

Rafael Correa, do Equador, deu-se por satisfeito porque foi desagravado com o pedido de desculpas, mas, para ele, agora será muito mais difícil fazer vistas grossas sobre a presença de bandidos em seu território.

Chávez ficou falando sozinho também na sua tentativa de dar às Farc o patamar de força insurgente.

Nem dentro da Venezuela ele tem apoio para esta campanha insana. O Brasil está sendo forçado a sair da sua situação dúbia.

Melhor faria Chávez se ficasse dedicado à tarefa de governar o país para tirá-lo dos vários problemas econômicos e sociais que tem enfrentado, em vez de provocar conflitos. A ameaça recente de suspender o fornecimento de petróleo para os Estados Unidos não foi mais do que mais um dos seus golpes de marketing para ficar na mídia. Se suspendesse, o país entraria em crise econômica séria imediatamente, pois o comércio com os EUA é de US$ 50 bilhões.

O episódio teve mais farsa que fatos, mas aumentou a incerteza política na região e deixou seqüelas.

Para nós, ficou de novo a marca da ambigüidade da diplomacia bicéfala do governo Lula.

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