Todo mundo tem gargalos. Só a bailarina que não tem. A Índia não fez reformas, tem um setor público ineficiente e um déficit fiscal que só não é maior porque está muito mal contabilizado. A China bate em limites ambientais com o seu modelo destrutivo de crescimento. A chuva ácida atinge um terço do território chinês e aflige 700 cidades, admitiu Sheng Huaren, o vice-presidente do Comitê Provisório do Congresso da China.
O Brasil costuma falar dos seus gargalos ao crescimento — que são mesmo grandes — como se fosse o único país a tê-los. Esta não é uma coluna para nos conformarmos com os nossos persistentes obstáculos ao crescimento. É só para combater um pouco o complexo da bailarina: a idéia de que os outros são perfeitos.
Como China e Índia têm crescido em ritmo intenso (dos Brics, são os mais reconhecidos como locomotivas do planeta), é bom olhar os problemas das duas bailarinas, que dançaram tão bem o balé mundial nos últimos anos, enquanto o Brasil claudicava em crescimento menor e instável.
Neste mês de março, a revista “Economist” publicou uma capa sobre os problemas da Índia que ameaçam seu ritmo de crescimento, e outra sobre a compulsão de consumo de recursos naturais pela China, o que está fazendo dela uma nova potência colonialista.
A Índia deve o seu atual ciclo de crescimento a reformas que fez nos anos 90, que reduziram impostos e gastos públicos, mas seus efeitos estão se esgotando.
O país tem um déficit fiscal de 3,1% do PIB, e essa conta está incompleta: não contém os desequilíbrios dos estados nem os subsídios concedidos aos combustíveis e aos fertilizantes.
O Brasil tem contas públicas bem mais auditáveis que isso.
A Índia tem dez milhões de funcionários públicos — “população do tamanho da de um país pequeno”, ressalta a “Economist”. A falta de reformas que tornem o Estado mais eficiente e mais leve está criando dois tipos de problemas para o país: limita o horizonte do crescimento sustentado e reduz a capacidade de que o crescimento se transforme em benefícios para a população mais pobre. A economia da Índia é limitada por vários aspectos; desde o governo, que depende dos comunistas, até o sistema de castas. O país tem enfrentado interrupções freqüentes de energia e sofre com uma legislação trabalhista excessivamente rígida. Tudo isso lhe soa familiar? Pois é: só a bailarina que não tem problemas.
A China tem um crescimento que deslumbra os economistas. A maioria vai lá e volta contando tantas maravilhas que é como se o país fosse perfeito e invulnerável a crises. Outro dia, numa conversa com executivos de uma grande empresa, ouvi o seguinte raciocínio: a China manterá o crescimento a qualquer custo, pois tem taxa de poupança, e vai fazer isso usando o carvão, que ela tem em abundância. “Quem vai dizer não para a China?”, perguntoume um dos executivos.
Respondi que, aparentemente, o planeta está dizendo não.
A “Economist” conta o seguinte: nos anos recentes, a China passou por uma grande mudança, saiu da indústria leve para a indústria pesada. Parece uma mudança pequena, mas seus efeitos são enormes.
As siderúrgicas consomem hoje 16% de toda a energia gerada no país. Isso é mais do que os 10% que a população inteira utiliza.
Só que o carvão produz chuva ácida. “Quanto mais as siderúrgicas produzem, mais aumenta a chuva ácida e a poluição sobre o país”, diz a revista. Isso espalha doença e morte entre a população e danos à economia.
Pan Yue, vice-ministro do Meio Ambiente, disse que os custos da poluição já representam 10% do PIB ao ano.
As universidades da Califórnia, em Berkeley e a de San Diego, publicaram um estudo no Journal of Environmental Economics and Management calculando que as emissões de carbono da China estão crescendo numa velocidade entre duas a quatro vezes maior que as estimativas feitas pelo IPCC.
Material particulado atinge hoje 36% das cidades; 16 das 20 cidades mais poluídas do mundo estão na China.
A poluição do ar mata 400 mil chineses por ano.
Cerca de 340 milhões de pessoas não têm acesso a água potável, inúmeras cidades estão ficando com um grave problema de abastecimento de água e dois terços dos rios já viraram esgotos. A desertificação se aproxima das metrópoles.
Para o resto do mundo, a voracidade da China é um problema que aponta para os limites físicos do planeta.
Hoje, os chineses, que são um quinto da população mundial, consomem metade do cimento, um terço do aço e um quarto do alumínio. O problema da poluição no país está estimulando o que mais assusta as autoridades chinesas: manifestações populares de descontentamento.
Por esse e outros motivos, segundo dados oficiais, houve na China, em 2006, 60 mil protestos e passeatas.
O Brasil está com gargalos na infra-estrutura, uma agenda de reformas parada, um Congresso soterrado de MPs, leis trabalhistas esclerosadas. O governo gasta muito, a carga tributária é alta, e, mesmo assim, o Estado não consegue conter a violência urbana e a devastação da Amazônia.
Mas não somos os únicos dos grandes emergentes com problemas.
“Procurando bem todo mundo tem pereba”, canta a música de Chico Buarque e Edu Lobo para nos confortar um pouco nesta Páscoa.
“Sala sem mobília, goteira na vasilha, problema na família quem não tem? Só a bailarina que não tem.” Na economia, não há bailarinas.
Procurando bem, todo mundo tem problemas.
Entrevista:O Estado inteligente
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