Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 23, 2008

A guerra de US$ 3 trilhões JOSEPH E. STIGLITZ

Bush mentiu sobre tudo e o custo dessa guerra será pago pelas futuras gerações



No quinto aniversário da invasão do Iraque pelos EUA, é hora dar um balanço.

Em nosso novo livro “The Three Trillion Dollar War”, Linda Bilmes, de Harvard, e eu, estimamos conservadoramente o custo da guerra para os Estados Unidos em US$ 3 trilhões, e o custo para o resto do mundo em outros US$ 3 trilhões — muito mais do que as previsões da administração Bush antes da guerra. O governo Bush não só enganou o mundo sobre o possível custo da guerra, como também buscou tornar obscura essa informação à medida em que o conflito evoluía.

O que não surpreende. Afinal, o governo Bush mentiu sobre tudo o mais, desde as armas de destruição em massa de Saddam Hussein à sua suposta ligação com a al-Qaeda. De fato, somente após a invasão o Iraque se tornou um criadouro de terroristas.

O governo Bush disse que a guerra custaria US$ 50 bilhões. Hoje os Estados Unidos gastam isso no Iraque a cada três meses. Para pôr esse número no contexto: por um sexto do custo da guerra, os EUA poderiam colocar seu sistema de previdência social em ordem por mais de meio século, sem cortar benefícios ou elevar contribuições.

Além disso, o governo Bush cortou impostos devidos pelos ricos enquanto iniciava a guerra, apesar de estar com o orçamento deficitário. Como resultado, teve de ampliar o déficit — em grande parte com financiamento externo — para pagar a guerra. Esta é a primeira guerra na História americana que não exigiu algum sacrifício dos cidadãos em termos de elevação de impostos. Em vez disso, todo o custo está sendo passado às futuras gerações.

A menos que as coisas mudem, a dívida pública americana, que era de US$ 5,7 trilhões quando Bush assumiu, aumentará em US$ 2 trilhões devido à guerra (além dos US$ 800 bilhões que já subira sob Bush antes da guerra).

Foi incompetência ou desonestidade? Quase seguramente ambos. O cálculo dos custos foi focado naqueles do momento, não nos futuros, o que incluiria assistência médica e reabilitação dos veteranos em sua volta ao país. Somente anos depois do início da guerra o governo começou a encomendar veículos com blindagens especiais, que antes teriam salvado a vida de muitos militares atingidos pelas bombas de beira de estrada. Sem querer restabelecer o recrutamento militar, e com dificuldade para arregimentar jovens para lutar numa guerra impopular, as tropas foram forçadas a enfrentar o estresse de períodos de permanência no Iraque duplicados, triplicados e quadruplicados.

O governo tentou manter o preço da guerra longe do conhecimento do povo americano.

Grupos de veteranos usaram a Lei da Liberdade de Informação para descobrir o número total de feridos — 15 vezes o de mortos. O número de veteranos com diagnóstico de Síndrome do Estresse PósTraumático já chega a 52 mil. Os EUA terão de providenciar indenizações por deficiência física para cerca de 40% de 1,65 milhão de soldados que já passaram pelo Iraque. E, obviamente, o sangramento continuará enquanto a guerra prosseguir, com a conta da assistência médica aos feridos e deficientes físicos ultrapassando US$ 600 bilhões (em valores atuais).

Ideologia e lucro também tiveram seu papel na elevação dos custos da guerra. Os EUA optaram por depender de empreiteiros privados, o que não saiu barato. A segurança da Blackwater Security pode custar mais de US$ 1 mil por dia, sem incluir o custo do seguro e da reabilitação, que é pago pelo governo. Quando o desemprego no Iraque chegou a 60%, contratar iraquianos teria feito sentido; mas os empreiteiros preferiram importar mão-de-obra barata do Nepal, das Filipinas e de outros países.

A guerra tem apenas dois ganhadores: companhias petrolíferas e os empreiteiros. O preço das ações da Halliburton, a antiga empresa do vicepresidente Dick Cheney, subiu. À medida que o governo recorreu cada vez mais à terceirização, reduziu sua vigilância.

O maior custo dessa administração incompetente da guerra recaiu sobre o Iraque. Metade dos médicos iraquianos foi morta ou deixou o país, o desemprego está em 25% e, cinco anos depois do início do conflito, Bagdá ainda dispõe de menos de oito horas de eletricidade por dia.

Dos 28 milhões de habitantes, quatro milhões são deslocados internos e dois milhões deixaram o país.

Os milhares de mortes violentas acabaram acostumando o Ocidente ao que ocorre no Iraque: a explosão de uma bomba que mata 25 pessoas já não é digna de ser noticiada. Mas estudos estatísticos das taxas de mortalidade antes e depois da invasão revelam parte da amarga realidade.

Sugerem um número adicional de mortes de 450 mil a 600 mil nos primeiros 40 meses de guerra, das quais cerca de 150 mil violentas.

Com tanta gente no Iraque sofrendo tanto de tantas maneiras, pode parecer insensível discutir os custos.

E pode parecer mais estranho enfocar o custo para os EUA, que embarcou nesse conflito em violação do direito internacional. Mas os custos são enormes e vão muito além dos gastos previstos em orçamento. No próximo mês, explicarei como a guerra contribuiu para os atuais problemas econômicos americanos.

Os americanos gostam de dizer que não existe almoço grátis. Nem há guerra grátis. Os EUA — e o mundo — pagarão o preço nas décadas que ainda virão

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