De um vermelho aberto, a camiseta se desfez no meu corpo, de tanto ser usada. Era presente da amiga Gláucia, que, no fim dos anos 70, era uma globalizada precoce. Trouxe de uma de suas viagens a Londres e exibia a inscrição: “Se eu não puder dançar, não quero fazer parte da sua revolução.” Sentia, ao carregar o texto, vingando todas as mulheres barradas nos bailes de comemoração dos momentos históricos.
Barradas estivemos e estamos.
Agora, menos. Todo o registro da história é feito como se a mulher fosse uma abstração: como se todos os embates tivessem sido travados entre os homens, todas as idéias produzidas pelos homens, todas as descobertas científicas, as deles. Esta história está muito mal contada! Qualquer pesquisa, em qualquer área, vai revelando a presença decisiva da mulher, alijada na hora do relato. As mulheres estiveram presentes; o tempo todo.
Foram convocadas para o trabalho duro, mas não puderam dançar depois das revoluções. Trancafiadas em casa, proibidas de votar, queimadas como bruxas, sufocadas. Quanto talento se perdeu reprimido na proibição explícita, no veto implícito, nas armadilhas do cotidiano! Quantas poderiam ter sido mais do que foram! Quantos vetos tiveram que superar as que se destacaram! Sempre fomos capazes de fazer o que estamos fazendo.
Não ficamos mais inteligentes no último século.
O que aconteceu nesse passado recente é que abrimos algumas portas; rompemos obstáculos. Florescemos.
Há mulheres fazendo coisas extraordinárias. Avançamos em todas as áreas, em todas as empresas, em todas as artes, instituições, em todos países e culturas.
Meninas, eu vi. A minha geração entrou no mercado de trabalho nos anos 70 quando a presença de mulheres na População Economicamente Ativa era de 18%. Hoje é de 44%. Não foi uma caminhada fácil. Pense em você e na sua própria trajetória. Olhe para trás, neste 8 de março. Orgulhese da sua própria caminhada, das suas amigas, das mães e filhas que conhece.
Cada impulso, de cada uma de nós, foi parte do salto coletivo. Os números e casos estão aí. Eles são bons, mas insuficientes.
O Dia da Mulher divide as mulheres. Há as que o vêem como insulto: ora, todos os dias são nossos! Há as que o vêem como uma relíquia do passado, quando as feministas deram seu grito de guerra, tema que acham superado.
Há as que o recebem como um segundo dia das mães, e querem ser homenageadas pela força e pelo sacrifício, com flores e lágrimas. Há as que querem o dia para lembrar as lutas ainda por lutar.
Estou nas últimas. Sei dos avanços, mas não esqueço a imensidão que falta construir. Acho gostoso haver um dia para pensar nisso mais detalhadamente, apesar de saber que todos os dias são nossos.
Num debate no ano passado, ouvi mulheres darem o problema por encerrado.
Luta ganha. Mulheres bem-sucedidas achando que já está tudo bem. Divergi. Disse que a discriminação contra a mulher não é um inimigo trivial; é uma estratégia de poder muito bem urdida e executada. Que usou e usa tantos meios que, às vezes, colaboramos sem ver com o que nos tolhe. Se não for isso, como explicar tão longa exclusão, de 5.000 anos de história? A briga, é bom sempre repetir, nunca foi contra os homens, mas contra a exclusão e as barreiras.
Elas estão em toda parte.
Estão até nas mínimas coisas.
São pequenas mensagens da publicidade, por exemplo. Recentemente saí de casa com meu cartão de crédito para comprar uma TV. Só tinha uma certeza: não comprar a LG Time Machine.
Olhem só a propaganda dela: um rapaz está vendo o jogo de futebol na TV. Momento emocionante: cobrança de pênalti. A mulher se põe entre ele e a tela. Ranzinza, ela diz: “Vamos discutir a nossa relação!” Ele, ar benevolente e superior, paralisa a transmissão.
Ela fala, fala, fala.
Ele indiferente. Ela acaba.
Ele, mudo. Ela diz: “você não vai dizer nada?” Ele, ar de desdém, retoma o jogo.
Qual é a mensagem implícita no anúncio? Que a mulher é uma chata, inconveniente, não entende nada de futebol e tudo o que ela diz é irrelevante. Há muito tempo, já decidi: não consumo nada que me ofenda.
Essa marca entrou na minha lista da revanche: não c o m p ro ! Os Quicuio, no Quênia, têm como mito fundador a lenda de que nove mulheres foram mandadas pelos deuses escolher nove pedaços de madeira no tamanho exato de cada uma. Os deuses os transformaram em homens. Elas se casaram, tiveram filhos e assim nasceu a nação Quicuio. “Como foi que perdemos essa primazia da história inicial?”, perguntou-se a queniana Wangari Maathai, que, quando nasceu, vivia na tribo que praticava a poligamia, e onde as mulheres não tinham direitos.
Em outros mitos fundadores, outras culturas e na História, o que está consagrado desde o início é o nosso segundo lugar. Quem conta a vastidão da construção da “alteridade” da mulher é a inigualável Simone de Beauvoir. Fomos definidas como o segundo sexo, a segunda pessoa, o outro.
Penso na minha camiseta vermelha dos anos 70, naquele Brasil mais fechado, mais autoritário e mais machista que o de hoje. Penso no lema no qual eu depositei tanto sentido. Queria dizer às outras mulheres, com a minha velha camiseta desfeita no corpo, que não devemos entrar em nada cujo topo esteja fechado para nós. Que não aceitemos nenhum bloqueio artificial na estrada. Que entremos em todas as revoluções, desde que possamos dançar na festa da vitória
Entrevista:O Estado inteligente
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