Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 02, 2008

Miriam Leitão Ação & contradição

O ataque ao desmatamento da Amazônia veio em dose dupla na semana passada: o governo mandou a polícia e cortou o dinheiro. Bom começo para se falar a sério no combate ao crime. Mesmo assim, as contradições continuam.
O desmatamento nos assentamentos, que é hoje 18% do total, pode continuar. O presidente Lula visitou, na mesma semana, uma empresa que desmatou manguezal no Rio.

A tragédia da Amazônia tem que servir como o início de um novo tempo.
Nunca se falou tanto da floresta como agora, o governo começa a acertar em medidas ousadas e profundas, a briga que vem por aí será longa e dura. Para que tenha êxito, o governo precisa ter uma postura coerente.
A variável ambiental não pode ser considerada numa questão e ignorada em outra.
É emblemático que, na semana em que o governo desferiu o mais duro golpe ao desmatamento da Amazônia, o presidente tenha visitado a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), que teve uma parte da obra embargada por destruição de manguezal.
O Ibama e o IEF deram licença para que a empresa desmatasse dois hectares de área para a construção de uma ponte que liga a siderúrgica ao Porto de Sepetiba.
A empresa desmatou o dobro. Essa parte da obra foi embargada, e o Ibama aplicou multa de R$ 100 mil. A empresa continuou tranqüilamente a construção da ponte. Há também uma discussão sobre o uso de uma área pública que a companhia usa sem ter recebido o direito para isso.
Nenhum problema preocupa o empreendimento que recebeu semana passada a eufórica visita do presidente Lula.
A CSA não gosta da palavra “desmatar”. Ao confirmar a informação, preferiu chamar o que ela fez de “intervenção adicional”. A assessoria de imprensa admite que a empresa “interveio adicionalmente” em 14 mil metros quadrados. Alega que não foi embargada a ponte, mas apenas esta área de “intervenção adicional”.
O que são 14 mil metros quadrados de mangue num país que desmata 7 mil quilômetros quadrados de floresta em apenas cinco meses? São dimensões diferentes de uma mesma atitude.
A CSA está convencida de que pode intervir adicionalmente o quanto quiser porque, depois, tudo vai ser aceito, como fato consumado, numa obra que, além de tudo, recebe a visita do presidente da República e faz parte da onda de aceleração do crescimento.
O Conselho Monetário Nacional tomou uma decisão que pode ser um torniquete no crédito que sempre jorrou para financiar as atividades ilegais na Amazônia. Agora o produtor terá que provar a qualquer banco em que queira crédito, seja público, seja privado, que suas terras estão regularizadas, e ter um documento da Secretaria de Meio Ambiente de que não tem pendências ambientais. No documento da terra, será fácil, com imagem de satélite, conferir se a área teve desmatamento além dos 20% perm i t i d o s .
As exigências dos bancos sempre foram para inglês ver. Inclusive — e, principalmente — dos bancos públicos.
Sempre foi muito fácil financiar qualquer projeto de formação de rebanho.
Como é uma atividade rentável, isso é que era importante.
Agora o que o governo está começando a cortar são as fontes de alimentação financeira do desmatamento ilegal. Ainda há muito a fazer. Se a pecuária depende dos bancos, o produtor de soja é financiado pelas tradings. Claro que, quando há alguma inadimplência, os dois lados tentam empurrar tudo para o crédito público, nas infinitas renegociações da dívida rural. Além disso, a resolução do CMN não se aplica ao crédito dos pequenos produtores e dos assentados. Eles respondem por 18% do desmatamento, mas o governo acha que, para eles, não vale a mesma exigência.
É exatamente esse tratamento seletivo que deveria ser combatido agora, aproveitandose do ímpeto com que o governo avança contra os desmatadores através de operações como a Arco de Fogo. A lei se aplica ao assentado e ao grande pecuarista. A lei se aplica na proteção da floresta na Amazônia e no manguezal no Rio. Lei é lei.
O prefeito de Tailândia, a cidade mais violenta do Pará, entroncamento para escoamento da madeira ilegal, mobiliza a população com a distribuição populista de cesta básica; os madeireiros da cidade usam a população contra a fiscalização; na Assembléia Legislativa do Pará, os discursos sobre o assunto usam sempre o argumento do povo, do desemprego, para criticar a operação que tenta pôr um freio na ilegalidade e na destruição da Amazônia. O prefeito de Tailândia, Paulo Jasper, o Macarrão, é do PSDB. Como o governador de São Paulo.
Em São Paulo, o governo faz uma extensa operação para barrar nas estradas e nas marcenarias a madeira ilegal que o prefeito de Tailândia quer continuar a escoar através da sua cidade.
As contradições estão em toda parte.
A luta para impedir a destruição da Amazônia não pode ser um aval para o descuido com a Mata Atlântica, da qual nos restam apenas fragmentos. Ricos, belos e úteis fragmentos.
Não se pode descuidar também do Cerrado, segundo maior reservatório de água depois da Amazônia. O Pantanal não pode ser ameaçado por novos projetos siderúrgicos que não digam de onde vem a madeira a ser utilizada. O país não pode destruir mais do que já destruiu dos seus biomas.

Há muito espaço para projetos industriais e agropecuários por aqui. Não é por falta de terra disponível que o Brasil não se desenvolverá

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