Entrevista:O Estado inteligente
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sábado, março 01, 2008
Merval Pereira Vezo autoritário
O presidente Lula revela todo o seu autoritarismo e presta um desserviço à democracia quando, fazendo política de palanque, investe publicamente contra o Judiciário, mesmo que sinta seu governo pressionado por opiniões de ministros do Supremo sobre uma eventual inconstitucionalidade que ainda será julgada.
A desenvoltura com que os ministros dos tribunais superiores dão entrevistas sobre diversos temas, inclusive sobre seus próprios votos, vai contra a Lei Orgânica da Magistratura, que veda a emissão de opiniões fora dos autos. Mas não é por isso que Lula tem direito de usar seu prestígio popular para tentar jogar a população contra o Poder Judiciário, assim como já fez contra o Legislativo em diversas ocasiões.
O fenômeno da “judicialização” ou “tribunalização” da política é uma marca de nossos tempos. O autor da denominação, Fabio Wanderley Reis, cientista político da Universidade de Minas Gerais, também já cunhou a sua contrafação, a “politização” da Justiça. São fenômenos que, se generalizados, poderiam criar condições para impasses institucionais no país, que se agravariam se também a Presidência da República resolvesse, como fez Lula na quinta-feira, entrar na disputa de maneira frontal, usando o palanque político para arrostar o Judiciário.
Tanto a “judicialização” da política quanto a “politização” da Justiça são fenômenos reais, mas pontuais, e provavelmente passsageiros.
José Eisenberg, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e membro da coordenação do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES), prefere o termo “tribunalização” da política e acusa o Supremo Tribunal Federal de, ao responder “ao clamor das massas”, transformar-se em um lugar de fazer política.
Foi o que teria feito o ministro Marco Aurélio Mello, ao comentar que o programa Territórios da Cidadania, lançado esta semana, poderia ser contestado judicialmente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por se tratar de ano eleitoral. Ato contínuo, PSDB e DEM entraram com representação, e Lula considerou que o comentário do ministro foi uma “senha”, quase autorização para a ação judicial.
Os partidos de oposição não necessitavam de qualquer “senha” para entrar com a ação, pois é claramente questionável essa postura do governo, que já havia anteriormente aumentado a verba para o Bolsa Família e ampliado a sua abrangência etária também neste início de ano eleitoral, o que foi igualmente contestado pela oposição.
Não há dúvida de que o lançamento de programas assistenciais do governo em ano eleitoral é uma maneira de atrair o apoio popular para os partidos de sua base, e a oposição tem razão de tentar barrá-los, mesmo correndo o risco de ser acusada pelo governo de estar agindo contra os pobres. A irritação do presidente Lula em Sergipe era visível, e sua fala agressiva contra o Judiciário revela mais uma vez sua tendência autoritária.
Além do mais, não é exatamente uma democracia o que ele descreve quando diz: “Seria tão bom se o Judiciário metesse o nariz apenas nas coisas dele. Iríamos criar a harmonia que está prevista na Constituição para que democracia seja garantida. (...) O governo não se mete no Legislativo e não se mete no Judiciário.
Se cada um ficar no seu galho, o Brasil tem chance de ir em frente. Se cada um der palpite (nas coisas do outro), pode conturbar tranqüilidade que a sociedade espera de nós”.
Esse é um sistema exatamente oposto ao de pesos e contrapesos imaginado por Montesquieu, para quem os três poderes — Legislativo, Executivo e Judiciário — não podem agir por sua própria conta, pois dessa maneira não há como impedir as arbitrariedades. Com cada um interferindo no outro, haveria um equilíbrio.
Fora isso, para que fosse verdade o que ele disse, seria preciso que primeiro não usasse tantas medidas provisórias, impedindo o Legislativo de atuar.
Ao contrário, o presidente Lula já mandou avisar que não aceita uma nova legislação que limite a capacidade do Executivo de emitir medidas provisórias, pois seria impossível governar.
Assim como se queixa de ser impossível governar com a oposição e do fato de o Judiciário tentar impedir que lance programas assistenciais em anos eleitorais.
Mesmo que não se critique a maneira pouco formal com que se referiu aos demais poderes, admitindo-se que Lula é um político que fala a tal “linguagem do povo” e não leva muito a sério o que o expresidente José Sarney chamava de liturgia do cargo, é muito perigoso para a democracia que um presidente use a sua popularidade para tentar inibir os demais poderes constitucionais. E é no mínimo constrangedor para a cidadania ver um presidente da República usando um palanque eleitoreiro para desafiar outros poderes.
O Judiciário existe exatamente para impedir que medidas inconstitucionais sejam aprovadas pelo Executivo e pelo Legislativo, e, quando se dirige ao povo para se queixar dessa limitação, afirmando que está sendo impedido de ajudar os mais desfavorecidos, o que Lula está fazendo é fragilizando os demais poderes e praticamente desejando ter um poder incontrastável.
Quando se vê pressionado pelos mecanismos tradicionais da democracia — opinião pública, imprensa, oposição, Judiciário — o presidente Lula utiliza seu carisma e sua popularidade, hoje em níveis excepcionais, para manipular a população.
E quando disse que “quem quiser palpitar se candidate a um cargo para falar as bobagens que quiser, na hora que quiser, mas não fique se metendo nas políticas do governo”, desqualificou a atividade parlamentar, que está mesmo em baixa diante do eleitorado, e ainda insinuou que o ministro Marco Aurélio Mello estava agindo com interesses político-partidários.
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