O Globo |
11/3/2008 |
Pela segunda vez em pouco tempo a secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, virá à América do Sul sem visitar Buenos Aires, outrora ponto obrigatório de uma visita regional. Limitando-se a visitar Brasil e Chile, ela está ratificando a idéia generalizada de que esses dois países, e mais o México, são os centros decisórios da região, apesar de o protagonismo político estar aparentemente com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Na recente crise político-militar envolvendo Colômbia e Equador, o trabalho mais importante da diplomacia brasileira foi isolar Chávez, não colocando a Venezuela como parte da crise, como ele desejaria. Mas assumindo posição tíbia diante da proteção que Chávez e Correa dão à narcoguerrilha na fronteira com a Colômbia, certamente por laços políticos que ligam o PT às Farc, o Brasil perdeu nesse episódio a oportunidade de fazer prevalecer sua liderança regional, cada vez mais contestada pelas atitudes dos países satélites de Chávez, até mesmo a Argentina. A política externa americana delega às chamadas "potências regionais" a mediação dos conflitos de suas áreas, e por isso os Estados Unidos pediram que o Brasil assumisse a força de paz no Haiti. A secretária de Estado Condoleezza Rice certa ocasião classificou o Brasil de "potência regional prestes a se tornar potência mundial", e a posição pragmática do governo brasileiro faz com que o país apareça como uma possibilidade real de equilíbrio e mediação em uma região majoritariamente ocupada por governos de esquerda, e com alguns focos remanescentes de movimentos revolucionários como as Farc na Colômbia, o bolivariano neo-socialista Hugo Chávez, e o MST brasileiro. A ausência de Lula na reunião do Grupo do Rio em Santo Domingo, no entanto, foi praticamente uma admissão de que o país não tinha papel a desempenhar na solução desse conflito. Mas isso não quer dizer que o Brasil tenha aberto mão de seu projetos de união regional. Além do Mercosul, um projeto de teor mais econômico, o Brasil tenta colocar de pé uma Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), que seria o braço político da união regional. Em outra frente, o Ministério da Defesa negocia a coordenação das políticas de defesa do continente, Conselho Sul-Americano de Defesa, que seria responsável por uma estratégia regional conjunta para que os países sul-americanos tenham posições comuns nos fóruns internacionais. Os argentinos reagem fortemente à criação da Casa. Convenceram-se de que ela enfraqueceria o Mercosul, e a Venezuela, que tem um projeto de união das forças militares da região, deve ser um obstáculo ao projeto brasileiro de defesa regional, que mitiga o lado belicoso do projeto "bolivariano" para dar destaque ao lado político da questão. A questão é saber como ficará a Junta Interamericana de Defesa, que tem a forte liderança dos Estados Unidos, e que Chávez pretende suplantar com seu projeto militar para a região. Um estudo do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) feito pelo historiador Sérgio Paulo Muniz Costa, doutor em ciências militares, que foi delegado do Exército brasileiro no Conselho de Delegados da JID, mostra que, embora sofra forte influência norte-americana, a JID passou por uma modernização que a tornou "mais equilibrada e democrática, como organismo especializado da OEA e, conseqüentemente, mais integrada política e diplomaticamente à realidade regional". Para o historiador, "os objetivos do Brasil e dos EUA quanto à segurança regional confluem, portanto, numa JID integrada à OEA, que represente uma visão mais compartilhada dos problemas de segurança e defesa. Ademais, a integração sul-americana seguirá um curso mais seguro se os antagonismos geopolíticos e ideológicos no hemisfério estiverem atenuados, e a JID é uma excelente via para isso". Segundo ele, "o crescimento do poder brasileiro levará, inevitavelmente, à assunção de maiores responsabilidades do Brasil em relação à segurança internacional, a começar pela preservação da segurança regional em face de tensões internas ou de rivalidades entre os grandes blocos geoeconômicos". A Junta Interamericana de Defesa modernizada, para Sérgio Paulo Costa, "pode vir a se constituir num importante instrumento da diplomacia e da atuação militar do Brasil em prol da paz e da segurança regionais, condição necessária e indispensável à integração da América do Sul". A criação da Comunidade Sul-Americana, com a qual o presidente Lula queria colocar fora da agenda brasileira as negociações da Alca, que acabaram sendo mesmo superadas pelos acontecimentos, é vista como a expressão da política hegemônica brasileira na região, e por isso a Argentina reage tanto a ela. O governo brasileiro argumenta, com razão, que, se o projeto fosse para impor a sua hegemonia na região, não estimularia a criação de um organismo multilateral, onde todos têm independência. O objetivo declarado do projeto brasileiro é criar, com a união do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e do Pacto Andino (Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia), um pólo político e econômico que se contraponha aos já existentes, como a Comunidade Européia, o Nafta e o grupo de países asiáticos. A crise com a Colômbia, que colocou os Estados Unidos no meio de uma disputa regional, como temiam setores da esquerda petista encastelados no governo, dificulta uma maior aproximação neste momento em que a secretária Condoleezza Rice visita a região. O que seria uma visita para fortalecer os acordos no setor de biocombustível, especialmente o etanol, poderá ter a quase crise militar como ponto central, o que não agrada nem ao Brasil nem aos Estados Unidos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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