O presidente Lula tem algumas obsessões em matéria de economia das quais não abre mão. Uma delas é evitar a qualquer custo “a maldita da inflação”.
Uma outra é a alegria de dizer que o FMI já não está mais no Brasil e que não temos mais dívida externa. Lula gosta de contar que sentiu a maior inveja quando visitou a Índia em 2004 e verificou que o país tinha cerca de U$ 100 bilhões em reservas cambiais.
Hoje, temos cerca de U$ 200 bilhões, o que nos permitiu “zerar a dívida externa”. Mas definir o que seja isso exatamente não é tarefa trivial, pois por alguns critérios técnicos seria preciso mais US$ 45 bilhões para cobrir os investimentos de multinacionais que geram remessas de lucros para o exterior.
Para evitar a volta da inflação, Lula é capaz até mesmo de aceitar que o Banco Central não reduza os juros tão rapidamente quanto gostaria, mas não está preparado ainda para aceitar que subam os juros. O papel do câmbio no controle da inflação é fundamental na política econômica atual, mas, em contrapartida, a valorização do real está causando uma deterioração das contas correntes que pode a médio prazo provocar um novo endividamento externo.
Como sempre acontece em todos os governos, a velha disputa entre os economistas chamados ortodoxos e os desenvolvimentistas surge também nessa área. Já temos seguidos números de déficit na balança comercial, o que prevê um superávit bem menor este ano, e tudo indica que teremos um resultado de contas correntes deficitário, prognosticado em cerca de US$ 7 bilhões.
Depois de mais de quatro anos de superávits sucessivos, em janeiro registrou-se o primeiro déficit em transações correntes no acumulado de 12 meses desde maio de 2003, de US$ 1,169 bilhão, equivalente a 0,09% do PIB.
O que assusta o governo é que a conta corrente foi negativa em US$ 4,232 bilhões, resultado próximo do déficit de US$ 4,95 bilhões de outubro de 1998, o que fez com que o então presidente Fernando Henrique Cardoso fosse reeleito naquele ano, mas tivesse que desvalorizar o real logo no início do seu segundo mandato.
Os economistas ortodoxos consideram saudável um pequeno resultado negativo nas transações de bens e serviços do país, porque significaria que estamos recebendo poupança externa.
Por esse raciocínio, como temos um sistema de assistência social muito dispendioso, não temos condições de poupança interna e, conseqüentemente, não investimos o necessário para garantir um crescimento sustentado.
Teríamos que contar com investimentos externos, e aí entram as privatizações como pomo de discórdia. Já os assim chamados desenvolvimentistas consideram que a dependência externa impede o crescimento saudável da economia.
Não é por outra razão que o governo está mobilizado para incentivar as exportações de manufaturados, através de uma política industrial a ser anunciada. Esse xadrez da economia, para manter o país numa rota de crescimento saudável e sustentado, tem complicações políticas adicionais.
O aumento do funcionalismo público continua acontecendo, e o governo está sendo pressionado por greves em setores estratégicos, como os auditores fiscais, que podem ameaçar inclusive o fluxo de comércio exterior.
Dois projetos cruciais estão parados no Congresso e o governo não mobiliza sua base para votá-los: o que regulamenta a greve no serviço público, proibindo que setores como os fiscais façam greve, e o que limita o aumento de gastos do governo.
O consumo dos cidadãos, que provoca pressões inflacionárias, está acompanhado também do aumento de consumo do próprio governo, que não pára de aumentar seus gastos num ritmo próximo de 8% ao ano.
Os custos da Previdência, o maior gasto do governo, não serão controlados por uma nova reforma, pelo menos neste governo. Inclusive porque a política de recuperação do salário mínimo, que afeta a Previdência em cheio, não será alterada.
O superávit primário, que continuará na casa dos 4% do PIB, mesmo com o governo podendo descontar alguns projetos de investimentos em infra-estrutura, é alcançado sobretudo devido à alta carga tributária, que continua batendo recordes mês após mês.
E a reforma trabalhista não sairá do papel enquanto as centrais sindicais continuarem com o prestígio que têm dentro da estrutura governamental.
Em recente palestra para o Instituto Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial) sobre economia informal, o professor Friederich Schneider, da Universidade de Linz, na Áustria, demonstrou que a economia informal no Brasil está na faixa de 41,8% do PIB oficial, e uma das causas principais é a alta carga de tributos e a rigidez da legislação trabalhista.
Pelo estudo do professor austríaco, a maior causa da economia informal, com 36%, é a carga tributária, que no Brasil cresceu de 29,74% em 1998 para 36,40% em 2006. Em relação à legislação trabalhista, o Brasil é o mais rígido dos 21 países estudados por ele.
Numa escala até cem, o Brasil tem 78 pontos, um acima do México e nada menos que 26 pontos acima da média mundial. Países dos Bric como China e Índia ficam com, respectivamente, 47 e 51 pontos. E os Estados Unidos tem apenas 22 pontos, demonstrando quão flexível é sua legislação trabalhista.
Sem cortar custos onde deveria, e sem querer subir os juros para conter a demanda, o governo procura atalhos na tentativa de restringir o financiamento direto para o consumidor, mas não tanto que prejudique o crescimento da economia.
Tudo isso, e mais uma crise internacional da qual não se tem idéia do tamanho, mostra que ainda precisaríamos fazer muitas mudanças estruturais para que “nosso querido Brasil” estivesse realmente protegido dos perigos deste mundo globalizado.
Entrevista:O Estado inteligente
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