artigo - Roberto Macedo |
O Estado de S. Paulo |
6/3/2008 |
O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, é objeto de denúncias sobre convênios de seu Ministério com organizações não-governamentais (ONGs), dando-lhes recursos para projetos de formação profissional. As denúncias apontam que convênios desse tipo foram assinados por razões políticas e beneficiaram entidades cujos dirigentes são parentes, doadores ou dirigentes do partido de Lupi, o PDT, do qual é presidente. É um caso que alcançou repercussão, mas nos seus aspectos gerais é mais um entre outros do uso de recursos públicos em projetos locais e paroquiais para obter vantagens políticas, em particular, votos. Não é só o Brasil que padece desse problema geral, mas, relativamente a países politicamente mais desenvolvidos, aqui a coisa corre mais solta com o apagão ético de que padece grande parcela de nossos políticos. Há também maior tolerância e omissão dos eleitores em relação aos maus hábitos desse grupo. E, ainda, além de objetivos eleitoreiros, há também maior presença dos pecuniários. Ou seja, como há dinheiro envolvido, este também pode fluir de forma irregular para pessoas como as mencionadas, entre outras. São também mais frágeis os controles de custos, gastos e do cumprimento dos objetivos de cada projeto, além de ser enorme o número de entidades financiadas, dificultando ainda mais essa tarefa. Assim, é preciso atacar o problema nos seus aspectos gerais e suas especificidades nacionais, começando por dar nome aos bois e ao que fazem. Nos EUA, recorreram aos porcos, pois as verbas para os projetos locais ou paroquiais que caçam votos são, na gíria do país, chamadas de política de \"pork barrel\". Literalmente, essa expressão significa um barril ou barrica onde antigamente se guardava carne de porco cozida ou assada, conservada em banha do mesmo animal. Quando criança, vi barricas como essa em casa antes da comemorada aquisição de uma geladeira. O termo \"pork barrel\" vem das origens agrícolas da sociedade americana, que incorpora outros do tipo nas suas metáforas. No caso, contudo, a conotação é pejorativa, associada a comportamentos suínos anteriores aos das modernas criações de hoje. Conferindo, certa vez perguntei a um americano residente no Brasil sobre o significado do termo e ele simplesmente respondeu: porcaria. Como é grande, vem transparecendo no noticiário, e há até uma \"CPI das ONGs\", na qual, menos blindado politicamente para evitar uma convocação, depôs na terça-feira o reitor da Universidade de Brasília, Timothy Mulholland, denunciado por uma porcaria de luxo. Mesmo que se convoquem outros bem mais blindados, temo pelo resultado dessa comissão, que, como outras, ostenta um \"P\" que lembra o risco de término em pizza, além de outro risco com origem nessa terminologia americana. A razão é que cortar fundo nas nossas barricas e barris distribuídos aqui e ali alcançaria práticas políticas a que muitos congressistas estão acostumados, como as tais emendas parlamentares e as peregrinações pelos Ministérios que têm o produto em estoque. É um enorme varejão, muito distante de políticas, programas e projetos de interesse nacional. Quanto aos controles, é interessante compará-los com alguns do praticados em instituições privadas. Os do governo se limitam a alguém da burocracia do Executivo atestar que os serviços foram prestados, num processo que inclui também a prestação de contas do uso dos recursos. Há o Tribunal de Contas, mas, como o nome indica, seu foco é nas contas e não na eficácia e eficiência do produto ou do serviço contratado. Há também a Corregedoria-Geral da União, relativamente nova, mas que ainda não mostrou seus dentes, talvez por falta de meios. E a tarefa nada fácil: como conferir no governo a quantidade e, mais difícil ainda, a qualidade de serviços como esse de formação profissional? De umas três décadas para cá, no setor privado o controle da qualidade de um produto ou serviço deixou de ser feito apenas na sua fase de produção e no seu resultado final, para concentrar-se, com grandes lições dos japoneses, na etapa anterior, dos fornecedores. Ou seja, de sua própria capacidade de entregar em tempo hábil uma certa quantidade de produtos e serviços de alta qualidade, com o controle alcançando, assim, toda a cadeia produtiva. Pelo que transparece do noticiário, há muito a desejar no que diz respeito às credenciais de ONGs na sua competência como fornecedores de serviços ao governo, para os mais variados propósitos. Soube que são 7 mil organizações a receber recursos do governo federal, que, de 1999 a 2006, lhes destinou o total nada desprezível de R$ 32 bilhões. Com esses números fica ainda mais difícil aplicar os frágeis controles governamentais, e também fica danificada a boa idéia de envolver organizações da sociedade civil na prestação de serviços públicos. No meio delas, que incluem fundações e associações de vários tipos, como as organizações sem fins lucrativos, há instituições sérias cuja imagem está sendo comprometida por escândalos de outras que chegam às manchetes, objeto agora dessa \"CPI das ONGs\", cujo nome verdadeiro deveria ser o de \"CPI de uma pequena amostra de ONGs\". Melhor seria se mirasse não apenas nas ONGs, mas, sobretudo, nos processos que produzem tanta porcaria aqui e ali, como a pulverização de recursos; a facilidade com que políticos podem intermediá-los e a arbitrariedade de autoridades ao concedê-los; as deficiências de qualificação de fornecedores e de avaliação do que fazem; e a falta de competição entre eles. Assim, se quiser trabalhar para valer, essa CPI precisa evoluir no forte aprimoramento desses processos, tal como as barricas de banha cederam lugar às geladeiras. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, março 06, 2008
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