A América Latina — que aparentemente superou uma potencial crise militar com a intervenção da Organização dos Estados Americanos (OEA) e a reunião do Grupo do Rio, que começou tensa e terminou com um improvável aperto de mão dos presidentes Álvaro Uribe, da Colômbia, e Rafael Correa, do Equador — é uma região que nos últimos 30 anos se democratizou.
Hoje, apenas Cuba é a exceção, mas onde a democracia ainda é “uma planta tenra”, na definição famosa do político baiano Otávio Mangabeira, embora a maioria a considere a melhor forma de governo.
Os tapinhas nas costas, sorrisos e cochichos entre os presidentes que horas antes quase se estapearam na reunião de Santo Domingo, sexta-feira, podem ser sinal de súbito amadurecimento político, mas infelizmente mais parecem a constatação de que, com atores como esses, o mais provável é a produção de uma “chanchada” no continente, dominado por líderes salvacionistas histriônicos.
Um livro recentemente lançado nos Estados Unidos aborda também o outro lado mais luminoso da região, que classifica como “um dos mais vigorosos laboratórios para o capitalismo democrático”.
Escrito por Michael Reid, o editor da seção Américas da revista inglesa “The Economist”, “O Continente Esquecido, a batalha pela alma latinoamericana” cita Brasil, Chile e México como exemplos de países que estão lançando bases para crescimento econômico sustentado e políticas sociais inclusivas, combatendo a desigualdade de distribuição de rendas e a enraizada injustiça social.
Reid contrapõe os líderes desses países aos populistas do tipo Hugo Chávez, da Venezuela, e chama a atenção para o fato de que a América Latina nunca esteve nas prioridades dos Estados Unidos ou da Europa, e que a falência dos regimes democráticos poderá colocar em perigo a estabilidade política de uma região rica em petróleo e em outros recursos naturais estratégicos.
A tentativa de entender a alma da América Latina tem levado à realização de muitos estudos e pesquisas na região, sendo um dos mais importantes o EcoSocial, executado com financiamento da União Européia, já analisada anteriormente na coluna.
Ela estabelece os desafios para se alcançar o fortalecimento dos regimes democráticos e a coesão de suas sociedades, na definição do sociólogo Simon Schwatzamn, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), que fez a parte brasileira da pesquisa com o Instituto Fernando Henrique Cardoso: Aumentar a credibilidade das instituições; Reduzir as incertezas e a insegurança nas grandes cidades; Oferecer mais condições e oportunidades de trabalho; Fazer da educação um meio efetivo de qualificação das pessoas e mobilidade social.
Outra pesquisa, esta mais focada na juventude dos países da América do Sul, reforça os aspectos da educação e do trabalho como instrumentos de uma perspectiva de futuro mais promissor.
Realizada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e o Instituto Pólis Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, com apoio do International Development Research Centre IDRC (do Canadá), entrevistou, ao longo do ano passado, cerca de 960 pessoas, “das favelas do altiplano boliviano ao sertão brasileiro, passando por ativistas argentinos de direitos humanos, por camponeses paraguaios, por estudantes chilenos e militantes partidários uruguaios”.
No Brasil foram estudados jovens cortadores de cana em São Paulo; estudantes secundaristas que participaram do movimento pelo passe livre conhecido como “revolta do Buzu”, em 2003, na Bahia; jovens trabalhadores paulistas no telemarketing; participantes do movimento hip hop de Caruaru, Pernambuco; jovens de projetos sociais do Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro; participantes do Acampamento Intercontinental da Juventude do Fórum Social Mundial em Porto Alegre.
As seis principais demandas encontradas mostram bem o que move a ansiedade da juventude sul-americana que está em busca da inclusão social. Na Educação, a preocupação é garantir a continuidade do processo de escolarização, além do ensino fundamental. Os jovens querem uma escola que “caiba na vida”.
No trabalho, uma das preocupações é o investimento em educação e formação profissional “adequados às demandas do mercado de trabalho e garantia para as iniciativas e organizações alternativas e de pequeno porte, principalmente no meio rural”.
No transporte, a preocupação é com a limitação de acessos, devido à escassez de meios de transporte público, ou ao alto custo. Os jovens se queixaram de que “têm sua visão de mundo condicionada à exigüidade do espaço físico ao qual têm acesso”.
Na parte cultural, a reivindicação é ampliar o acesso às novas tecnologias de informação e comunicação.
Segundo os pesquisadores do Ibase, as NTICs se tornam instrumentos de circulação de informações e ao mesmo tempo alimentam novas produções culturais.
Outro ponto que domina a preocupação dos jovens sul-americanos é a segurança, que vai além da agenda regular de democratização e humanização das instituições, e temas obrigatórios como “armas de fogo”, “políticas de desarmamento” e narcotráfico.
A pesquisa indica que há preocupações com a integração e complementaridade do conceito “vida segura” com os demais problemas do dia-a-dia da juventude, especialmente nas áreas de educação, trabalho, cultura, esporte e l a z e r.
Até mesmo na ecologia surge a preocupação com o trabalho. Uma das reivindicações é o fortalecimento de novas áreas de profissionalização ambiental, como agentes comunitários ambientais e turismo ecológico.
Entrevista:O Estado inteligente
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