Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 23, 2008

Mailson da Nóbrega Gabeira capitalista: sinal dos tempos


Ao oficializar sua candidatura a prefeito, o deputado Fernando Gabeira declarou que vai “desenvolver o Rio de uma forma capitalista”. No dia seguinte, o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, lamentou a venda da Vale, “infelizmente privatizada por um preço muito abaixo de seu valor”.

São dois mundos distintos. Gabeira, ex-guerrilheiro, conseguiu superar o paradigma socialista e entender o funcionamento e as limitações do capitalismo. O ministro, católico fervoroso e prisioneiro de visões do passado, não alcançou o mesmo.

Parece não entender como opera uma economia de mercado. Não se deu conta de que o preço gerado em um leilão aberto e transparente, como o da privatização da Vale, é correto e legítimo. É por essas e outras que o Brasil ainda não é uma economia plena de mercado. O fato de não vivermos o infortúnio socialista de Cuba não quer dizer que já sejamos uma sociedade capitalista no sentido exato do termo. Há muito a andar até lá.

Como mostrou Max Weber, formas de capitalismo existiam desde a Antiguidade. Walter Russel Mead assinala que o dinamismo do atual capitalismo começou a aparecer nas cidades-Estado italianas nos séculos 14 e 15. As condições para o surgimento do atual sistema capitalista foram criadas na Inglaterra do século 17, com as mudanças institucionais que extinguiram o absolutismo.

Criou-se o ambiente favorável ao investimento privado, à assunção de riscos pelos empreendedores e à inovação. Os ingredientes básicos foram o Estado de Direito, a independência do Judiciário, direitos de propriedade bem definidos e respeito aos contratos.

A geração de riqueza foi estupenda. Em 1700, a Inglaterra possuía 6 milhões de habitantes e a França, 21 milhões. O PIB francês era o dobro do inglês. Pouco mais de um século depois, a Inglaterra se tornara potência e ganhara todas as guerras contra a França.

No século 19, a cultura do mercado se consolidou nas sociedades anglo-saxônicas. A democracia se firmou. As duas se tornaram a chave para a geração sustentável de bem-estar.

O Estado foi fundamental para o sistema capitalista. Liquidou o feudalismo, separou-se da Igreja e criou regras do jogo estáveis essenciais para o mundo dos negócios. Nas proximidades do século 20, forjou as instituições de defesa da concorrência e, mais tarde, as de regulação de atividades como energia e telecomunicações. O sistema nunca foi apenas o livre funcionamento do mercado.

Na Europa continental, empresas estatais supriram a ausência das condições existentes no mundo anglo-saxônico. Mais tarde, quase todas foram privatizadas, inclusive os bancos.

Com a exaustão do nacional-desenvolvimentismo, o Brasil começou o caminho rumo ao sistema capitalista. Livramo-nos de três de seus principais demônios econômicos: a instabilidade política, a econômica e a vulnerabilidade a crises externas.

A democracia se consolidou, malgrado suas imperfeições. O temido desastre de um governo petista foi exorcizado: Lula manteve a política econômica que garante estabilidade. A vulnerabilidade externa despencou, como provado ao longo da atual turbulência nos EUA.

São baixos os riscos de retrocesso populista para reduzir na marra a taxa de juros, controlar capitais ou tributar as exportações. O desafio agora é gerar as condições para crescer mais e reduzir as desigualdades sociais e os níveis de pobreza.

Precisamos aumentar a produtividade mediante novos avanços institucionais na área microeconômica, privatização ousada na infra-estrutura e melhoria no ambiente de negócios. Há que eliminar o excesso de burocracia, rever a arcaica legislação trabalhista e conferir maior rapidez e eficácia às decisões do Judiciário.

Pouco ou nada dessa agenda acontecerá no atual governo, cheio de gente que professa crenças opostas. Eles defendem juros baixos e câmbio alto com fins “desenvolvimentistas”. Pedem mais intervenção. Querem que a Vale seja reestatizada. Felizmente, Lula não os ouve.

Cedo ou tarde, virão as mudanças para acelerar a transição do Brasil para o verdadeiro sistema capitalista. Gabeira percebeu os novos ventos.

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