Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 23, 2008

Alberto Tamer É preciso admitir, o risco aumenta


O presidente mudou o tom de seu discurso a respeito do Brasil na crise financeira internacional, na última quinta-feira. Até agora estava efusivo, desafiante, afirmava que não iria nos atingir. Estávamos preparados: reservas cambiais de quase US$ 200 bilhões, credibilidade externa que atrai, a cada ano, mais investimentos, rigidez monetária, expansão do consumo, o que criou um mercado suficientemente forte para sustentar o crescimento. Tudo isso - esta coluna reconhece e afirmou várias vezes -, é mérito de Lula nestes dois últimos anos. Ele tem agido certo, com firmeza, fazendo o que nenhum outro fez: em dúvidas sérias, ouve gente de fora da sua equipe.

Ainda no início da semana, Lula reafirmava isso com um sorriso confiante. O problema é deles, dos americanos e dos europeus. Agora parece que sua fala mudou. Na quinta-feira, Lula admitiu que o sistema financeiro foi atingido e que uma recessão nos EUA preocupa e causa problemas para todos. O Brasil está tranqüilo para enfrentá-los. “Não queremos que uma crise americana, que não fomos nós que causamos, venha a causar uma crise no Brasil. Já tivemos outras.” Estamos atentos, acompanhando tudo com uma lupa na mão.

A CRISE NÃO É SÓ DELES

Mudou porque o presidente reconhece que não somos mais uma ilha, que, se intensificar por mais algumas semanas ou meses, a crise chega aqui, talvez com menos intensidade, mas chega; e pode causar estragos porque somos uma economia frágil, que só agora começa a florescer. Sei que faz parte do cargo manter um tom positivo para animar os que produzem e os que consomem, agora com mais renda de crédito, mérito também deste governo.

Mas faz parte também de sua missão alertar para riscos, principalmente quando são externos, sobre os quais não temos controle. Simplesmente surgem lá fora, se propagam e podem chegar aqui, mais fracos, mas assim mesmo suficientemente fortes para nós.

O presidente estava sempre eufórico com o sucesso interno da sua correta política econômica. Talvez Lula estivesse ouvindo apenas os conselhos errados dos que, no governo, sopravam-lhe o que seus ouvidos queriam ouvir. “Não se preocupe, presidente, está tudo bem.” Parece, agora, ter-se convertido à linha solitária, em Brasília, do presidente do BC, Henrique Meirelles, para quem estamos tranqüilos, sim, mas a crise externa preocupa muito.

O presidente, porém, ainda desliza um pouco. Para Lula, que vem mantendo uma política econômica correta e cautelosa, a atual retração americana nos afeta menos porque diversificamos nossas exportações e dependemos menos do mercado americano. É uma interpretação enganosa, porque os mercados estão interligados e uma desaceleração nos EUA afeta também os novos parceiros comerciais que conseguimos.

É verdade que, no início do governo, os EUA representavam mais de 20% das nossas exportações, e no ano passado, 16%. Diversificamos para outros países emergentes, como os asiáticos, e para a Europa, que hoje pesa 25% na nossa pauta. Mas, se esses novos parceiros crescerem menos porque estão exportando menos para os EUA, também importarão menos, do Brasil. Se somarmos a isso o real fortemente valorizado, a carga tributária que sobre elas incide e a infra-estrutura deficiente e sufocada, teremos aí a causa do recuo das exportações. E como, ao contrário, importamos cada vez mais para atender o bem-vindo aumento do consumo interno, lá se vai o superávit comercial, tão necessário para solver compromissos externos.

Assim, se os EUA, que importavam até o ano passado quase US$ 2 trilhões num comércio mundial de US$ 13 trilhões, continuarem a se retrair, presidente, todos os outros países que exportam para eles também se retrairão, crescerão menos e importarão menos. Do Brasil. Isso ocorrerá num segundo momento, mas, presidente, a noticia má é que esse momento já chegou.

ELES PERDEM...E SAEM

Também não estamos imunes quanto ao sistema financeiro. Atingidos duramente por perdas lá fora, os investidores estão vendendo ações e títulos aqui para cobrir seus prejuízos. É grave? Por enquanto, não, porque com o juro elevado praticado aqui, os investidores continuam tendo lucros generosos. Em média, 8% ao ano, quando lá fora mal e mal chega a 5%, se tanto. Eles estão ganhando em cima do nosso juro e com financiamentos que fazem em moedas e países com taxas consideravelmente menores. Ainda é um grande negócio investir no real, que fez a alegria de Warren Buffet - ele confessou ter ganho US$ 2,3 bilhões em um ano só especulando com a moeda brasileira, o Real. Podemos dizer que o Real ( com R maiúsculo...) transformou-se, hoje, em uma espécie de “commodity” financeira. Sem riscos, porque, novamente por mérito deste governo, o Brasil e a sua moeda são altamente confiáveis.

Vai durar? Mas, até quando? Pode ser por pouco tempo, se eles, como agora, continuarem a perder lá centenas de milhões de dólares por dia. Terão que vender títulos e ações, do Brasil. Pessimista?, pergunta o leitor. Não. Quase tão otimista quanto o nosso presidente

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