Obama, o astro pop da corrida eleitoral americana, perde três disputas, vira alvo de ataques e começa a cair na vida real
André Petry, de Houston
Ilustração sobre foto Gilberto Tadday |
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Barack Obama é a estrela da noite. Milhares de pessoas enfrentaram um frio de 5 graus para lotar o centro de convenções de Houston, no sudeste do Texas. A multidão – brancos e negros, homens e mulheres, mais jovens que velhos – queria vê-lo, ouvi-lo, aplaudi-lo e, se possível, tocá-lo. No palanque, na verdade uma passarela em forma de L, quem primeiro aparece é Michelle Obama, de terno creme e pernas imensas, recebida aos gritos de "primeira-dama, primeira-dama". Ela fala durante quatro minutos e então anuncia: "É com prazer que apresento meu mariiiidoo!". A música aumenta, a multidão delira, e Obama surge na passarela. Na esquina do L, ele cruza com a mulher, ela lhe dá o microfone, eles se beijam no rosto, cochicham algo, ela sai, ele assume o posto. "Boa noite, Houston!" A massa delira, a música zune, um mar de celulares o contempla. Trinta e nove minutos depois, ele desce da passarela para se inundar de povo. Os seguranças o cercam, a multidão cerca os seguranças. Ele pega nas mãos dos eleitores, sorri, abana. VEJA lhe dirigiu uma pergunta. Obama pegou na mão do repórter, escancarou seu sorrisão caetaneado e balançou a cabeça negativamente, como a dizer que era hora só de diversão. Obama é um astro pop, um rock star, a estrela da noite.
Robyn Beck/AFP |
Hillary festeja três vitórias após doze derrotas: ela está atrás, mas já pensa na cabeça de chapa |
No dia seguinte, a estrela perderia parte do seu brilho quando os democratas de quatro estados foram às urnas escolher o candidato presidencial – e, em três estados, incluindo Texas e Ohio, a vencedora foi Hillary Clinton. Com a derrota, o político mais pop do momento foi apresentado à vida real: acabou sua lua-de-mel eleitoral, um estado de graça que se estendia aos adversários (que andavam com receio de criticá-lo), a boa parte da imprensa (que estava encantada com seu sucesso) e à maioria dos eleitores (que lhe deram doze vitórias seguidas). Os golpes mais sentidos vieram de sua colega de partido. Diante da necessidade imperiosa de vencer no Texas e em Ohio para manter sua candidatura em pé, Hillary mostrou o fio de suas garras. Acusou Obama de criticar em público o Nafta, o acordo comercial da América do Norte, e amenizar as críticas em conversas a portas fechadas com representantes do governo do Canadá. Em Ohio, onde se acredita que o Nafta ceifou 250.000 empregos nos últimos oito anos, a acusação parece ter ajudado Hillary a vencer pelo placar de 54% contra 44% dos votos. Além disso, em outro lance que pode ter sido eleitoralmente lucrativo, Hillary vitaminou sua campanha do medo, ressuscitando um anacrônico clima de guerra fria, e passou a apresentar-se como mais equipada que Obama para governar num "mundo perigoso".
Obama também começou a experimentar o baque dos golpes abaixo da linha da cintura, quase sempre saídos da central republicana. O mais ferino até agora é o boato de que Obama é muçulmano, mentira que se dissemina calçada em duas verdades. A primeira é que Obama posou para uma fotografia com um turbante e um roupão durante visita ao Quênia, terra natal de seu pai, em 2006. A foto é verdadeira, mas a interpretação de que a vestimenta e seu portador são muçulmanos é uma parvoíce. Os trajes são típicos da etnia somali, e Obama é protestante. A segunda é que Louis Farrakhan, o septuagenário amalucado que ainda lidera a Nação do Islã, o grupo islâmico que prega o ódio racial, ofereceu apoio à candidatura de Obama. É verdade, mas o candidato não recorreu à velha esperteza de lamentar mas dizer que apoio não se recusa. Recusou, em público. Para acuar Obama ainda mais no flanco religioso, o pastor de sua igreja em Chicago, Jeremiah A. Wright Jr., vem sendo acusado de adotar posições anti-semitas. Não é verdade, mas na má política, lá como cá, o que conta é o estrago. Pela primeira vez desde que sua campanha pegou no tranco, há um mês, Obama está agora na defensiva e dá entrevistas com um sorriso amarelo.
Fotos Gilberto Tadday |
Anna, com seus filhos (à esq.), e o colombiano Andrés Useche: hispânicos e mulheres com Obama |
Não precisava tanto. As derrotas da semana passada e os ataques de todos os lados não foram tão pesados quanto parecem. Em Ohio, quando ainda se imaginava que sua candidatura era imbatível, Hillary tinha uma vantagem de 20 pontos porcentuais sobre Obama. Venceu, mas com a metade. No Texas, sua liderança era de 12 pontos. Ganhou com 3 de dianteira. Isso mostra que Obama conseguiu penetrar no eleitorado cativo de Hillary, como os hispânicos. "Obama defende as minorias, e não apenas os latinos. É um defensor autêntico da igualdade", interpreta o colombiano Andrés Useche, 30 anos de idade e sete de Estados Unidos, que alcançou certa notoriedade na campanha ao compor a música Sí, Se Puede Cambiar e estrelar um vídeo no YouTube que, na semana passada, contava com mais de 70 000 acessos. Mesmo entre mulheres brancas, outro segmento em que Hillary é forte, Obama cavou seu espaço. "Desde a primeira eleição presidencial em que eu votei, em 1988, há um Clinton ou um Bush na cédula", protesta Anna Eastman, 40 anos, mãe de três filhos, que mergulhou na campanha de Obama para evitar "mais do mesmo". Há três semanas, ela e o marido, Brad, convidaram vinte amigos por e-mail para uma reunião em seu sobrado com o objetivo de arrecadar dinheiro para Obama. Apareceram 160 pessoas. O caixa bateu em 5 000 dólares.
A mobilização espontânea, sobretudo entre os jovens, é o ponto forte da campanha de Obama. No Texas, ele perdeu nas primárias, em que o eleitor deposita seu voto numa urna, mas está ganhando nos cáucus, em que os eleitores se reúnem em assembléias populares para escolher delegados para cada candidato na proporção das preferências. Na terça-feira passada, num auditório no centro de Houston, cerca de 400 pessoas compareceram a um cáucus. Um grupo, composto de pouco mais de 100 eleitores, tinha direito a escolher doze delegados. Pela preferência dos presentes, Obama ficou com oito e Hillary com quatro. Outro grupo, maior, podia escolher quinze delegados. Deu Obama com onze, Hillary com quatro. Como seu eleitorado é mais jovem e mais atuante, Obama tem levado vantagem nos cáucus – que, em geral, são uma baderna parecida com o orçamento participativo do PT. Os encarregados de organizar os trabalhos mal sabem o que têm de fazer. Orientam o público lendo um manual. Desconhecem a diferença entre delegado do candidato e delegado do partido. Do celular, ligam em busca de orientação sobre o que pode e o que não pode. No cáucus de terça-feira, a maioria se divertia, no entanto. Não houve briga, nem bate-boca. E, no fim, apesar da confusão das regras, triunfou a vontade da maioria.
Faltando três meses para encerrar as prévias, Obama terá de lidar daqui em diante com uma imprensa mais crítica. Seu envolvimento com Antoin Rezko, ricaço que especula com imóveis e é dono de uma cadeia de fast-food, voltou a chamar a atenção dos jornalistas. Rezko está sendo processado por tráfico de influência e outras pilantragens. O julgamento começou na semana passada. Obama não é acusado de ter feito nada de errado com Rezko, mas, para quem já viveu sob as traquinagens da dupla Collor e PC Farias, Rezko cheira a enxofre de longe. É careca e tem um bigodão (como PC), arrecadou 150 000 dólares para campanhas de Obama (como PC para Collor) e, ao ajudar o amigo a comprar sua casa, adquiriu, numa operação até agora nebulosa, um lote ao lado da nova propriedade de Obama (PC era vizinho da Casa da Dinda).
Brian Snyder/Reuters |
McCain resolveu o jogo: é o nome dos republicanos e – numa ação de risco – já recebeu o apoio de Bush |
Em que pesem as derrotas, os ataques e as coincidências enfeitiçadas, a contabilidade eleitoral de Obama ainda é superior à de Hillary. Ele ganhou em mais estados do que ela, tem mais votos populares, mais delegados e mais dinheiro – só não tem mais superdelegados, apelido dado aos caciques com assento garantido na convenção do partido. Obama também se mantém como o democrata com mais chance de vencer a eleição presidencial em novembro. Uma pesquisa mostrou que ele teria 52% contra 40% de John McCain, o republicano que conquistou em definitivo a indicação presidencial e já foi à Casa Branca receber o apoio público de George W. Bush – o que ninguém sabe se é bom ou ruim, considerando a popularidade chã do presidente. Na mesma pesquisa, Hillary também ganha de McCain, mas por 50% a 44%. Numa evidência de que a política como espetáculo desmoraliza até a matemática, Hillary já insinuou que poderia aceitar uma chapa com Obama – e ela, ainda que perdendo em quase tudo, acha que sua posição na chapa, naturalmente, seria na cabeça.