Diplomacia da batuta
Filarmônica de Nova York apresenta-se na
Coréia do Norte, o mais fechado dos países
Thomaz Favaro
Chang W. Lee/The New York Times |
Os músicos americanos são homenageados: apresentação inédita |
Pelo menos durante noventa minutos a última fronteira da Guerra Fria viveu momentos de distensão. Pela primeira vez, uma orquestra americana – a Filarmônica de Nova York – apresentou-se em Pyongyang, a capital da Coréia do Norte. Com transmissão ao vivo pela televisão em rede nacional, os norte-corea-nos puderam desfrutar uma seleção de músicas nunca tocadas no país. A filarmônica executou, por exemplo, o clássico Um Americano em Paris, de George Gershwin, e o Hino Nacional dos Estados Unidos. A platéia reunida no Grande Teatro (só membros da elite comunista, pois não houve venda de ingressos) aplaudiu de pé. Sob o controle da dinastia Kim, esse dinossauro do comunismo é um dos países mais isolados do mundo. Sua economia está em ruí-nas, o fornecimento de energia elétrica é irregular e a comida é escassa na mesa da maioria da população. Ainda assim, o regime se deu ao luxo de investir na produção de armas nucleares. Em 2002, George W. Bush incluiu o regime de Pyong-yang no eixo do mal, junto com o Irã e o Iraque de Saddam Hussein.
AFP |
Diplomacia do pingue-pongue, em 1971: jogador americano em Pequim |
No momento, as relações estão menos tensas. Depois de negociações sobre seu programa nuclear, a Coréia do Norte fechou seu reator em Yongbyon em troca de ajuda econômica. A idéia de convidar a filarmônica surgiu durante as negociações e foi aprovada com entusiasmo pelo Departamento de Estado. Foi a primeira vez, desde o fim da Guerra da Coréia (1950-1953), que um grupo tão grande de americanos – 400, incluindo acompanhantes e jornalistas – esteve no país. Eventos culturais e esportivos já foram usados no passado para quebrar o gelo diplomático durante a Guerra Fria. Em 1956, a Sinfônica de Boston abriu uma brecha na Cortina de Ferro ao tocar pela primeira vez na União Sovié-tica. Os primeiros americanos a pisar na China comunista foram tenistas de mesa, em 1971. O episódio – que cunhou a expressão "diplomacia do pingue-pongue" – abriu as portas para a visita do presidente Richard Nixon a Pequim, em 1972.
Não se deve exagerar o alcance da viagem da Filarmônica de Nova York. Como mostra a participação recente da seleção americana de luta greco-romana em torneio iraniano, esse tipo de iniciativa nem sempre é bem-sucedido em criar laços entre países rivais. No caso da Coréia do Norte, de qualquer forma, o show continua: os norte-coreanos já convidaram Eric Clapton, artista preferido do filho do ditador Kim Jong-Il, para tocar no país.